A regra é clara: o atleta não pode jogar uma mesma partida pelos dois times. Mas no Pará, que receberá a próxima Conferência das Partes da ONU para as mudanças do clima, a lógica parece ser outra. Isso porque a cidade-sede da COP terá como vizinha o maior complexo termelétrico em construção do Brasil: Novo Tempo, no município de Barcarena, localizado a 38 quilômetros de Belém.

Ou seja, o Pará se prepara para debater como reduzir e mitigar as emissões de gases causadores do problema climático enquanto permite que uma nova usina emita mais gases causadores do problema climático (infelizmente, nada de novo quando a gente lembra que as últimas três COPs ocorreram em países produtores de petróleo).

Apesar de ser apresentado como uma alternativa energética, o GNL pode liberar metano, gás 28 vezes mais poluente que o CO2

Esse dado foi ressaltado durante a COP 29, no painel “Compromisso de Metano: avançando a eliminação do uso do GNL na COP 30” (Beyond Methane Pledge: Pushing for the phaseout of LNG in COP 30), que ocorreu em novembro, em Baku. O painel contou com a participação do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). Segundo dados do governo federal, a usina estará pronta para operar até 2026.

Durante a apresentação, Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Iema, ressaltou que o país não precisa de mais investimento em gás para ter energia elétrica suficiente. “Nós temos diversos potenciais em energia limpa e podemos suprir nossa necessidade de energia de outras maneiras.  O uso do gás é desnecessário em termelétricas e, por esse motivo, a Coalizão Energia Limpa apoia o Compromisso de Metano”, declarou.

Além da continuidade no crescimento nas fontes eólica e solar, Baitelo citou ações para tornar o sistema elétrico mais resiliente, como a redefinição da operação das hidrelétricas, otimizando-as para armazenamento de energia e fornecimento de potência em momentos críticos. É possível investir também no reforço da transmissão de energia para acompanhar o crescimento das fontes renováveis e em bancos de baterias para equilibrar a produção e o consumo de energia renovável. Por fim, as térmicas a biomassa, com potencial em biogás e resíduos agrícolas, podem contribuir para a resiliência do sistema energético.

Greenwashing

A usina Novo Tempo Barcarena I, de 600 MW, foi contratada em 2019, e está em construção. Ela tem duas ampliações em processo de licenciamento, ainda não contratadas, que somadas gerariam 2,6 GW. Outra termelétrica que está em debate para implementação é a usina de Caçapava, em São Paulo, com capacidade de 1,7 GW. Atualmente, a maior usina termelétrica brasileira é a TermoRio, em Duque de Caxias (RJ), com 2,5 GW.

O gás natural liquefeito (GNL) é o gás natural convertido em estado líquido para facilitar seu armazenamento e transporte. Assim, ele pode ser extraído em um país e deslocado para qualquer lugar do mundo por meio de navios cargueiros. Apesar de frequentemente ser apresentado como uma alternativa energética, ele não resolve o problema da transição sustentável. Embora emita menos gases de efeito estufa do que outros combustíveis fósseis, o GNL pode liberar metano (CH₄) durante a produção e transporte, um gás de efeito estufa até 28 vezes mais potente que o dióxido de carbono.

Elissama Menezes, diretora do Say No to LNG, organizador do debate em Baku, ressaltou que o metano causa danos à saúde direta e indiretamente: “O emprego do GNL como solução para as mudanças climáticas é greenwashing.”

Uma versão deste texto foi publicada originalmente no site do Iema.