Pense na esquisitice dessa matemática: cerca de dez por cento do petróleo produzido no mundo, hoje, vem da Arábia Saudita. Mas a Arábia Saudita não está entre os dez maiores poluidores. Outra conta, ainda mais estranha: o Iraque foi o quinto maior produtor de petróleo em 2023. Mas quando o assunto é emissão de gases de efeito estufa, o país não configura nem entre os vinte primeiros; está atrás de Vietnã, Itália, Argentina e até da aviação comercial.
O motivo da discrepância é plausível, já que o grosso da emissão vai para a conta de quem consome o petróleo – ou seja, países como China e Estados Unidos, que encabeçam a lista dos maiores poluidores – e não para a de quem produz. O problema é que isso acaba gerando um efeito perverso (e benéfico) para os grandes produtores de petróleo: a possibilidade de não serem responsabilizados. É por isso que o Canadá do simpático Justin Trudeau consegue se vender como uma potência verde, apesar de ser o quarto maior produtor de petróleo do planeta. Parafraseando o Capitão Nascimento, é o famoso “bota na conta da Papa”.
A conta deveria ser repensada, para que países produtores de petróleo tenham mais responsabilidade pelo que põem no mundo
Esse tema foi debatido em um side event oficial da ONU durante a COP 29, em Baku. O painel “Alavancando as NDCs para a Transição Gradual dos Combustíveis Fósseis e Proteção da Biodiversidade” contou com a presença do engenheiro Ricardo Baitelo, gerente de projetos do IEMA, que aproveitou para falar da complexa posição do Brasil em relação à exploração de petróleo e gás, especialmente na região da Foz do Amazonas. Baitelo destacou que as pretensões do país em expandir a exploração devem prejudicar as metas globais de redução de emissões de gases de efeito estufa – mas não a meta nacional. E é aí que mora uma parte importante do problema.
“Ainda que o Brasil tenha progredido em termos de redução de emissões no último ano, tanto por esforços para a redução do desmatamento quanto pela aceleração da instalação de energias renováveis, o objetivo do governo de aumentar a produção de óleo e de gás no médio prazo – uma ação climática contraproducente – não é computada na NDC”, ele explicou, referindo-se à sigla para Contribuição Nacionalmente Determinada (ou, em termos mais simples, as metas de emissão de cada país). “As emissões provenientes da queima de produtos exportados são contabilizadas nas NDCs dos países compradores. Seria essencial discutir critérios para que esses elementos sejam capturados de forma devida nos compromissos dos países exportadores de combustíveis fósseis”, complementou.
Claro, a emissão não pode ser contabilizada duas vezes, assim como um imposto não pode sofrer uma bitributação. Mas Baitelo sugere que a conta seja ao menos repensada, para que os países produtores de petróleo carreguem um pouco mais de responsabilidade pelo que colocam no mundo. “O que eu acho que deveria haver são novos critérios, como uma outra NDC só contabilizando as emissões que o país está importando, ou alguma meta com teto para quem exporta, com condições inegociáveis. Tem gente olhando pra isso, pensando em quais combustíveis merecem estar dentro dessa conta.”
Além do Iema, o evento na COP contou com a presença de pesquisadores do Ground-Up Initiative, Say No to LNG, e Public Advocacy Initiatives for Rights and Values in India, que também andam se debruçando sobre o problema. “Em ultima instância, o que vai de fato deminuir as emissões nacionais é a redução do consumo de combustíveis fósseis, mas o phase-out precisará ser implementado por mecanismos de controle. Espero que as NDCs ou outras alternativas futuras cumpram esse papel “, resumiu Baitelo.