Foi dois anos atrás, na COP28, nos Emirados Árabes Unidos, que o Brasil apresentou o seu novo atacante, o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forest Forever Facility – TFFF), que recompensa financeiramente os países que mantiverem suas florestas tropicais de pé. A ideia é incentivar a redução do desmatamento, garantindo às nações elegíveis recursos financeiros para sempre (tempo pelo qual o TFFF se propõe a operar). A novidade veio em boa hora, mas como todo bom jogador, não está isenta de falhas.
O TFFF pretende beneficiar pelo menos 70 países de florestas tropicais e subtropicais úmidas, com recursos vindos de investidores de mercado e patrocinadores, como filantropia e governos, e gestão do Banco Mundial. A iniciativa está sendo construída pelo Brasil em conjunto com Colômbia, República Democrática do Congo, França, Alemanha, Gana, Indonésia, Malásia, Noruega, Emirados Árabes, Reino Unido e EUA, com expectativa de lançamento na COP30. O fundo espera um aporte total de 125 bilhões de dólares (por ora, apenas o Brasil apontou quanto vai direcionar: 1 bilhão de dólares). A expectativa é que o anúncio de mais aportes se dê após a COP30.
Por ora, as regras do TFFF são decididas de cima para baixo, certificando-se de que as vozes ouvidas sejam a dos bolsos do mercado
O projeto é ambicioso. A cobertura florestal dos territórios contemplados será dimensionada por meio de um sistema de satélite, a ser avaliado por uma terceira parte. Além disso, a cada cinco anos haverá uma análise de desempenho, para a qual os países devem enviar relatórios anuais. Os países serão recompensados financeiramente pela redução do desmatamento, mas se deixarem a bola cair e houver registro de destruição da floresta, haverá uma dedução no valor que recebem.
A equipe responsável por garantir a performance do TFFF será dividida em dois componentes complementares: o TFIF (Fundo de Investimento de Florestas Tropicais), que é o “gerente”, e o Mecanismo, que cuida da parte operacional. Cada componente terá sua estrutura própria, com estatuto e conselhos. O Banco Mundial vai ser o administrador do Mecanismo, criado como um fundo fiduciário. Além disso, o TFFF terá uma espécie de “preparador físico”, o Conselho Consultivo, que contará com dez representantes dos Povos Indígenas e Comunidades Locais.
É o TFIF que vai gerar os lucros para financiar a proteção e a preservação das florestas tropicais dos países beneficiados pelo TFFF. A ideia é que 20% dos recursos sejam oriundos de patrocinadores e os demais 80% correspondam a aportes de investidores de mercado, em troca de um esperado retorno financeiro. Então a regra é clara: primeiro paga-se aos investidores do TFIF, depois transfere-se os juros sobre o capital patrocinador e, por fim, paga-se os países participantes da iniciativa.
Sociedade civil excluída
OK, mas como fazer essa bola chegar lá? O discurso de que o instrumento tem sido construído em diálogo com a sociedade civil é questionável. Lideranças dos povos indígenas e de comunidades tradicionais afirmam, junto com organizações e movimentos sociais, que não têm sido chamadas para a conversa. A documentação é altamente técnica, dificultando o acesso e a participação de quem mais precisa entender as regras do jogo.
Apesar da determinação de que pelo menos 20% dos recursos sejam destinados aos povos indígenas e aos povos de comunidades tradicionais, nada garante que isso de fato aconteça. Com efeito, depois que o dinheiro entra na conta do Tesouro Nacional do país beneficiado, não há nitidez sobre como o repasse será realizado. Além disso, questiona-se o valor de 20%, considerado baixo.
A proposta exige investimentos massivos para ser permanente, o que é uma incógnita em um eventual cenário de escassez de financiamento climático. Se o mercado entra em crise, os repasses podem diminuir, reforçando a crítica à “financeirização” da questão ambiental.
Além disso, a representação prevista para o Conselho Consultivo é ruim: apenas dez lugares para todos os povos indígenas e comunidades locais interessados, sem a participação de setores da sociedade civil, o que contribui para tornar o mecanismo pouco legítimo aos olhos de quem importa: a população. Todas as regras do TFFF são decididas de cima para baixo, certificando-se de que as vozes ouvidas sejam a dos bolsos do mercado.
O treinador recomenda que para lidar com as falhas do artilheiro, e torná-lo uma peça-chave do jogo, é crucial que os próximos documentos que tratam do funcionamento do TFFF (Estatutos de Governança do TFIF e do Mecanismo, Critérios de Elegibilidade e Manual de Operações) incorporem:
(i) maior detalhamento sobre como os recursos serão repassados até a ponta;
(ii) uma justificativa e, idealmente, ampliação do percentual destinado aos Povos Indígenas e Comunidades Locais;
(iii) aumento significativo da participação desses povos e comunidades no Conselho Consultivo;
(iv) a inclusão da sociedade civil na governança.
O TFFF tem potencial para se destacar na luta pela conservação da floresta tropical, mas para tal, precisa fortalecer a defesa, ajustar o meio de campo e regular as suas finanças. Só com um jogo mais inclusivo, participativo e transparente, pode garantir um gol no combate às mudanças climáticas.