Ao se falar da Amazônia, a imagem mais comum é a da floresta tropical e seus rios. No entanto, na zona costeira amazônica, coexistem o bioma amazônico e o sistema costeiro-marinho, que abriga um ecossistema igualmente vital e ainda invisibilizado: os manguezais. Situados entre a terra e o mar, esses sistemas jogam em duas frentes, eles cumprem funções ecológicas e sustentam modos de vida tradicionais, mas seguem sem convocações nos debates ambientais e climáticas.

Enquanto a maior parte do financiamento internacional para a proteção ambiental no Brasil se concentra na floresta de terra firme, os ecossistemas costeiros e marinhos têm menos de 1% do financiamento climático global. Desde 1996, o mundo já perdeu mais de 1 milhão de hectares de manguezais.

Caranguejo-uçá: com a realização da COP30 no Pará, estado com catorze reservas extrativistas costeiro-marinhas, o Brasil tem a chance de colocar os manguezais no centro da agenda climática

O Brasil possui 7,4% da área global de manguezais – cerca de 1,4 milhão de hectares – e abriga a maior faixa contínua desses ecossistemas no mundo, entre o Amapá e o Maranhão, reconhecida como parte do Sítio Ramsar “Estuário do Rio Amazonas e seus Manguezais”. Esses ecossistemas funcionam como barreiras naturais contra eventos extremos, são também berçários marinhos e grandes sumidouros de carbono, podendo estocar até quatro vezes mais carbono que florestas tropicais. Além disso, eles sustentam milhares de famílias através da pesca, do extrativismo e da cultura local.

Em 2024, seguindo a trajetória e aprendizado de programas anteriores, o Ministério do Meio Ambiente lançou o ProManguezal, com o objetivo de promover a valorização dos manguezais brasileiros e, por consequência, a melhoria de vida das comunidades extrativistas. As ações da campanha têm como objetivo orientar os esforços do governo federal na conservação, recuperação e uso sustentável da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos associados aos manguezais. Apesar de representar um passo importante, o programa entra em campo com pouco fôlego, limitado pelo orçamento insuficiente. Ainda é preciso fortalecer o monitoramento e a participação social nas ações de implementação.

Também em 2024, foram criadas duas Reservas Extrativistas – Filhos do Mangue e Viriandeua – na costa paraense, que abrangem 74 mil hectares e beneficiam cerca de 7 mil famílias. A conquista é resultado de mais de duas décadas de mobilização comunitária, mas a titulação sozinha não garante direitos nem políticas estruturantes. Os desafios persistem, especialmente na implementação de políticas e instrumentos e na inclusão de comunidades e governos locais na governança climática multinível. Falta entrosamento entre políticas públicas, saberes locais e a gestão costeira.

Enquanto o Executivo anuncia avanços pontuais, o Legislativo abriga propostas que fragilizam esses territórios em prol de interesses privados. A expansão da carcinicultura, a especulação imobiliária e projetos como a PEC das Praias (PEC 03/2022) são retrocessos que ameaçam o equilíbrio ecológico e os modos de vida tradicionais.

PL 364/2019 também representa um risco real ao arcabouço ambiental, minando os instrumentos que hoje protegem os manguezais e aprofundando riscos já colocados quando da reformulação do Código Florestal, em 2012. Essa lei define as regras para a proteção da vegetação nativa e sua revisão flexibilizou a preservação de reservas, abrindo brechas para mais desmatamento e fragilizando a proteção de ecossistemas sensíveis como os manguezais.

A esse cenário se soma a pressão pela exploração de petróleo na Foz do Amazonas, especialmente no bloco FZA-M-59. O caso escancara o descompasso entre os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil e sua política interna. Mesmo com pareceres técnicos contrários do Ibama, o governo permanece inerte diante das pressões por liberar a atividade em uma área de altíssima sensibilidade socioambiental.

Com a realização da COP30 em Belém, no Pará – estado com 47 municípios costeiros e catorze reservas extrativistas costeiro-marinhas –, o Brasil tem uma chance de ouro de colocar os manguezais no centro do campo da agenda climática. Essa conferência pode (e deve) representar o fim do apagamento político desses ecossistemas.

A força-tarefa internacional Mangrove Breakthrough reúne governos, comunidades, ONGs e setor privado no compromisso de restaurar e proteger os manguezais. Endossada pelo Brasil na última Conferência dos Oceanos da ONU, a iniciativa recomenda metas claras: restaurar ao menos 50% das áreas de manguezais degradadas, zerar perdas líquidas até 2030, dobrar a proteção legal e garantir financiamento sustentável, além de incluir os manguezais nas NDCs brasileiras.