Embora ocupem apenas 6% da superfície terrestre, áreas úmidas detêm mais carbono do que todas as florestas do mundo. Além de poderosos estoques de carbono, essenciais na luta contra o colapso climático, áreas úmidas são grandes aliadas contra eventos extremos, como inundações, enchentes e secas prolongadas.
A COP30, a ser realizada no Brasil, abre uma janela histórica para colocar as áreas úmidas no centro das estratégias globais. E o Pantanal, a maior área úmida tropical continental do planeta, é a voz mais forte desse movimento – e talvez a única capaz de despertar a comunidade internacional para o debate.
O Brasil guarda a maior extensão de turfeiras tropicais do mundo, presentes sobretudo no Pantanal e na Amazônia
As áreas úmidas são ecossistemas diversos, que incluem pântanos, brejos, várzeas, manguezais, lagoas costeiras e turfeiras. Apesar da importância, essas áreas continuam sendo ignoradas na agenda climática, desaparecendo três vezes mais rápido do que as florestas, geralmente vitimadas por queimadas, drenagem, expansão agrícola, grandes obras de infraestrutura e, em alguns locais, exploração de petróleo e gás.
Entre todos os ecossistemas terrestres, nenhum é tão eficiente em armazenar carbono quanto as turfeiras. Elas fazem parte do grupo das áreas úmidas que, somadas, ocupam cerca de 3% da superfície do planeta e representam sua fração mais rica em carbono. As turfeiras são formações naturais compostas por solo permanentemente encharcado, onde restos de matéria orgânica (principalmente plantas) se acumulam ao longo de milhares de anos sem se decompor por completo, formando a turfa. Esse processo lento cria um verdadeiro cofre subterrâneo de carbono, uma espécie de estágio inicial da formação do carvão mineral.
O Brasil guarda a maior extensão de turfeiras tropicais do mundo. Elas estão presentes sobretudo no Pantanal e na Amazônia, onde extensas turfeiras florestadas foram recentemente mapeadas na região do interflúvio Purus–Madeira e no oeste do estado do Amazonas. Globalmente, se destacam as gigantes do sudeste asiático (Indonésia e Malásia), do Congo (Cuvette Centrale, a maior turfeira tropical contínua do mundo) e os vastos complexos boreais do Canadá, Rússia e Finlândia. Em alguns países, chegam a ser reconhecidas como um bioma próprio, dada sua relevância climática.
Mesmo cobrindo entre 3% e 4% da superfície terrestre, essas áreas armazenam entre 450 e 650 bilhões de toneladas de carbono – o equivalente a até 45 vezes as emissões globais de gases de efeito estufa registradas em 2023. Sua importância é tamanha que, se protegidas, continuam capturando carbono indefinidamente. Mas, ao serem drenadas ou queimadas, liberam esse carbono de forma massiva, agravando ainda mais o aquecimento global. Hoje, as turfeiras degradadas, por si só, já respondem por cerca de 4% das emissões antropogênicas anuais do planeta.
O Pantanal é um exemplo vivo do potencial – e da vulnerabilidade – das áreas úmidas. Em 2020, uma combinação de seca extrema e uso indiscriminado do fogo devastou um quarto do bioma. Foram cerca de 3,6 milhões de hectares consumidos pelas chamas, onde mais de 17 milhões de animais vertebrados morreram. Além do desastre ecológico, o clima sofreu com os incêndios no Pantanal: mais de 115 milhões de toneladas de CO₂ foram emitidas, valores superiores às emissões de toda a Bélgica naquele ano. Em 2024, a história se repetiu: novos incêndios atingiram quase um quinto da porção brasileira do Pantanal.
A situação é crítica. O ciclo das águas do Pantanal está se rompendo. A crise climática, com a diminuição dos padrões de chuva e o aumentos de temperatura, tem reduzido drasticamente o tempo e a extensão das cheias. Soma-se a isso a construção de barragens na Bacia do Alto Paraguai (BAP), o desmatamento e o avanço de monoculturas sob áreas sensíveis na BAP e na planície pantaneira. Leitos de rios estão sendo transformados em grandes corredores de fogo e a exposição dos solos de turfeira a condições aeróbias levam à degradação da matéria orgânica e liberação de mais gás carbônico e, em alguns casos, do metano, acelerando a crise climática. Projetos como a Concessão da Hidrovia Paraguai-Paraná e abertura de novas estradas que aceleram a vazão das águas da planície pantaneira e comprometem o ciclo das águas no bioma, acelerando drasticamente esse processo.
Além do papel no clima, as áreas úmidas prestam serviços ecossistêmicos avaliados em 27 trilhões de dólares anuais. Regulação climática, abastecimento de água, segurança alimentar, turismo de natureza, preservação cultural e abrigo para milhares de espécies ameaçadas são apenas alguns exemplos. Então, proteger e restaurar esses ecossistemas é uma das soluções mais eficazes, acessíveis e inteligentes para lidar com a crise climática. Um estudo citado pela Environmental Justice Foundation aponta que investimentos em conservação e restauração de turfeiras tropicais poderiam evitar a emissão de até 800 milhões de toneladas de CO₂ por ano, o equivalente a 1,5% das emissões globais. O investimento anual total estimado necessário para a restauração de turfeiras é de US$ 7 bilhões, equivalente a apenas 1,1% do valor dos subsídios fornecidos para combustíveis fósseis em 2023.
Organizações da sociedade civil, entre elas o Instituto SOS Pantanal, divulgaram uma carta aberta que será enviada às lideranças da Convenção do Clima. O documento pede que países incluam as áreas úmidas em suas políticas climáticas e Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). A mensagem é direta: sem as áreas úmidas, não há solução real para a crise do clima. (Gustavo Figueirôa e Luciana Leite)