A COP26, realizada em 2021 em Glasgow, na Escócia, marcou o jogo em que instituições do patrimônio cultural finalmente entraram em campo nas negociações climáticas. Desde então, elas têm demandado uma maior presença dentro dos acordos do clima em busca, principalmente, de uma maior presença de indicadores culturais dentro de suas metas para o Acordo de Paris e a criação de um fundo internacional para proteger o patrimônio ameaçado pelas mudanças climáticas.

O projeto Diálogos sobre Patrimônios e Ações Climáticas do Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS-Br) – junto ao Departamento de Articulação, Fomento e Educação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) – vem reunindo representantes de povos e comunidades tradicionais em cada bioma brasileiro para mapear riscos, perigos e vulnerabilidades aos patrimônios culturais materiais e imateriais, a partir dos efeitos locais das mudanças climáticas. 

A Carta afirma que o patrimônio não é apenas um bem a ser protegido, mas uma ferramenta na construção de sociedades justas e sustentáveis

Esses grupos tradicionais são quem melhor entende e protege o patrimônio cultural em sua diversidade, especialmente diante da crise climática. Eles detêm o conhecimento tradicional, as práticas ancestrais e a conexão intrínseca com os locais e os bens que compõem a herança da humanidade. Em um cenário de eventos extremos e mudanças constantes, o engajamento comunitário torna-se crucial para identificar perigos e vulnerabilidades, além de desenvolver estratégias de adaptação resilientes. 

Ao invés de torcedores, as comunidades e povos tradicionais são jogadores ativos. Sua participação garante que as soluções sejam culturalmente apropriadas e sustentáveis no longo prazo. Reconhecendo essa importância, iniciativas nacionais vêm articulando formas de integrar saberes locais a políticas públicas.

Em 2025, o ICOMOS-Br se juntou ao Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus (ICOM Brasil), com o apoio do IPHAN, do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para lançar a Carta Brasileira do Patrimônio Cultural e Mudanças Climáticas. Em 15 de abril foi lançada uma primeira versão da carta, que ficou aberta publicamente por mais de dois meses para contribuições e recebeu 97 sugestões de diferentes instituições e profissionais. A segunda versão da carta foi discutida ao longo dos dias 7 e 8 de julho em um evento no auditório do IPHAN, que reuniu mais de 200 pessoas. 

Essa carta, construída de forma colaborativa, reconhece a urgência de integrar o patrimônio cultural às estratégias de enfrentamento das mudanças climáticas e faz um chamado à ação coletiva e institucional. Ela afirma que o patrimônio não é apenas um bem a ser protegido, mas uma ferramenta ativa na construção de sociedades resilientes, justas e sustentáveis. Ademais, ela destaca que os impactos das mudanças climáticas incidem de forma desigual sobre os territórios e comunidades e defende a valorização dos saberes ancestrais e das práticas culturais como parte das soluções em cooperação com a ciência e tecnologia. 

Neste momento, a Carta está aberta a todas as organizações, instituições, coletivos e grupos culturais que queiram afirmar sua adesão ao conteúdo. A adesão pode ser feita através do formulário disponível em https://tinyurl.com/CartaBrasileiraPatrimonio até o dia 29 de agosto. No formulário, também é possível baixar o documento. Após esse período de adesão, a expectativa é que a Carta Brasileira seja entregue ao governo como contribuição da sociedade civil e que ganhe espaço nos debates da próxima COP.

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Aline Vieira de Carvalho, coordenadora do GT de Patrimônio e Mudanças Climáticas do ICOMOS-Br e pesquisadora da UNICAMP; Diego Vaz Bevilaqua, presidente do ICOM Brasil e Vice-diretor de Patrimônio Cultural e Divulgação Científica da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz; Luana Campos, secretária executiva do GT de Patrimônio e Mudanças Climáticas do ICOMOS-br e Docente da UFMS; e Marcos José de Araújo Pinheiro, diretor da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.