Como era de esperar, mais uma goleada daquele time bilionário bancado pelo petróleo do Oriente Médio sobre o XV de Piracicaba. Quer dizer, sobre o XV da Micronésia. Ou melhor: sobre o Dez-Países-Mais-Afetados-Pela-Crise-Do-Clima-Futebol-Clube. Não conhece esse time? É aquele que tem um histórico de 29 derrotas em 29 COPs.
Aos fatos: um levantamento publicado nesta sexta-feira (15/11) revelou a presença de ao menos 1.773 representantes do lobby fóssil na COP29, a Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas de Baku, Azerbaijão. O número supera as delegações dos países mais afetados pela crise do clima, que enviaram pouco mais de mil representantes, confirmando que a indústria fóssil segue investindo alto para garantir a presença ostensiva de seus representantes nas negociações do clima, a exemplo do que foi visto no ano passado, em Dubai, e em 2022, no Egito.
Países como o Japão, o Canadá, o Reino Unido e a Itália credenciaram lobistas de grandes empresas fósseis em suas delegações oficiais
“Por quase 30 anos, esses atores sequestraram as negociações, sabotando avanços significativos, enquanto nossas comunidades no Sul Global suportam o peso brutal da crise climática. Chega de concessões. Estes poluidores precisam ser expulsos, e chegou a hora de nós, comunidades do Sul Global, liderarmos e moldarmos soluções climáticas reais e justas, acima do lucro”, denunciou Rachitaa Gupta, da Global Campaign to Demand Climate Justice.
O levantamento é publicado anualmente pela Kick Big Polluters Out (KBPO, ou Expulse os Grandes Poluidores, em tradução livre), uma coalizão internacional que conta com mais de 450 organizações e demanda o fim da ingerência dos principais beneficiados pela dependência fóssil nas regras da ação climática.
Em Baku, há mais lobistas do que a soma de todos os delegados dos dez países mais afetados pela crise do clima: Chade, Ilhas Salomão, Níger, Micronésia, Guiné-Bissau, Somália, Tonga, Eritreia, Sudão e Mali têm juntos, 1.033 delegados, contra os 1.773 representantes da indústria fóssil. No ano passado, em Dubai, foram 2.456 lobistas credenciados. Mas, apesar de o número total deste ano ser menor, a proporção de lobistas aumentou: a COP28 teve 97.372 pessoas credenciadas, enquanto a COP29 registrou 52.305 pessoas.
Chevron, ExxonMobil, BP…
Foi somente através das reivindicações da sociedade civil, aliás, que se tornou possível contabilizar a influência dos lobistas nas COPs: por pressão da KPO, agora todos os participantes registrados na conferência do clima precisam declarar a organização para qual trabalham, a natureza do vínculo com a organização, sua função, a delegação a qual estão vinculados (um país, uma ONG, um organismo da ONU ou veículo de mídia).
A coalizão realizou o levantamento a partir da lista provisória de participantes publicada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) no primeiro dia da COP29. A partir do cruzamento dos critérios listados acima com as listas de lobistas identificados nas COPs anteriores, chegou-se ao número deste ano. O levantamento identificou que muitos dos lobistas de combustíveis fósseis foram enviados à COP29 como parte das associações comerciais da indústria.
Entre os 10 principais grupos comerciais que lideram o ranking de lobistas credenciados, oito são do Norte Global. A lista é encabeçada pela International Emissions Trading Association, que registrou 43 delegados, incluindo representantes de megapoluidores como a francesa Total Energies e a suíça Glencore. A pesquisa mostrou, ainda, que países como o Japão, o Canadá, o Reino Unido e a Itália credenciaram lobistas de grandes empresas fósseis em suas delegações oficiais. Além disso, foi identificada a presença de lobistas de grandes empresas como Chevron, ExxonMobil, BP, Shell e Eni – que credenciaram juntas 39 lobistas –, que fornecem petróleo e gás para a máquina de guerra de Israel e alimentam os massacres na Palestina e no Líbano.
“A influência dos lobistas de combustíveis fósseis nas negociações climáticas é como uma cobra venenosa se enrolando no futuro do nosso planeta. Devemos expor suas mentiras e agir para remover sua influência, fazendo-os pagar pelos danos causados ao planeta. É hora de priorizar as vozes daqueles que lutam por justiça e sustentabilidade, não os interesses dos poluidores, criticou Nnimmo Bassey, da KBPO e da Fundação Saúde da Mãe Terra. (LEILA SALIM)
Este texto foi publicado originalmente no Observatório do Clima