O Brasil fez o dever de casa – ao contrário da maioria dos países – submetendo sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) à ONU no final de 2024. Ótimo. Mas a NDC do Brasil é uma bola fora quando se trata de ambição climática. O que deveria ser um compromisso claro com o combate à crise global do clima acaba dificultando o cumprimento das metas estabelecidas.

O gol perdido não foi só brasileiro, é importante frisar. A maioria dos países parte da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) também falhou em assumir sua responsabilidade, seja pela baixa ambição nas metas, ou pelo descumprimento dos prazos estabelecidos pelo secretariado e pelo Acordo de Paris. Segundo o acordo climático, as partes deveriam ter entregado uma NDC em 2020 e outra até fevereiro de 2025, mas até agora somente 24 dos quase 200 países membros tinham submetido suas NDCs – o que levou o Secretário Executivo da UNFCCC, Simon Stiell, a estender o prazo até setembro de 2025. 

As metas setoriais, que indicam quanto cada setor da economia deve reduzir suas emissões, ficaram de fora do plano brasileiro de NDC, o que compromete a eficácia da estratégia climática

NDC, para quem não sabe, é o compromisso obrigatório de cada país signatário da UNFCCC de apresentar metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e de adaptação aos impactos das mudanças climáticas (para entender melhor, vale ver o vídeo logo abaixo ou clicar aqui). Um dos principais problemas da NDC brasileira está na maneira como foi definida a meta de redução de emissões. O Brasil usou como ponto de partida o total de emissões de 2005 e prometeu reduzir entre 59% e 67% desse valor. Isso se traduz em chegar em 2035 emitindo algo entre 1.050 MtCO2e (logo uma meta menos ambiciosa) a 850 MtCO2e (uma meta mais ambiciosa). Ainda assim, nenhuma das duas é ambiciosa o suficiente para ser considerada compatível com o objetivo do acordo de Paris de limitar a temperatura a 1,5ºC. Mas há outros problemas com a meta do Brasil. 

O governo brasileiro declarou que se comprometeria internacionalmente com a meta menos ambiciosa, ou seja, 59% de redução nas emissões – o que é um pequeno aumento linear do que havia sido prometido para 2030 e muito pouco para o que o mundo precisa e para o que o Brasil pode e deve fazer. Assim, o Brasil se afasta das metas que assumiu no Acordo de Paris e em planos nacionais, como o Planaveg (Plano Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa), que previa ações mais fortes contra a crise climática. Essa escolha de ter duas metas foi uma jogada calculada para mascarar a falta de ambição real. 

Mas a insuficiência da NDC brasileira vai além da baixa ambição numérica. O fato de a NDC apresentar duas metas cria complicações tanto para a análise quanto para a implementação, já que exige esforços de mitigação muito diferentes. Além disso, as metas setoriais – que indicam quanto cada setor da economia, como agricultura, indústria, energia e transporte deve reduzir suas emissões – ficaram de fora, sendo prometidas para o Plano Clima que ainda está em construção. Não há, ainda, clareza sobre quais setores da economia serão responsáveis por quais reduções de emissões, nem para qual cenário estamos planejando. Como é possível ter ações coordenadas e eficientes? A falta de detalhamento torna a NDC um documento genérico, difícil de monitorar e, o que é ainda mais grave, difícil de implementar.

O discurso da criação de fundos e programas para financiar ações climáticas, como o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) e a Taxonomia Sustentável Brasileira, presente na NDC brasileira, contrasta com a realidade da má distribuição de recursos financeiros que, muitas vezes, não chegam às comunidades mais vulneráveis. Essa desconexão entre a retórica do financiamento e a sua efetiva capilaridade mina a confiança no compromisso do Brasil com a justiça climática.

O problema se agrava ainda mais quando levamos em conta as necessidades reais dos países do Sul Global. Para que essas nações consigam cumprir seus compromissos climáticos e se adaptar diante dos impactos que já enfrentam, o valor necessário chega à impressionante quantia de US$ 1,3 trilhão. A diferença entre esse montante e os US$ 300 bilhões prometidos na COP 29 é uma falta gravíssima que coloca em xeque a própria viabilidade do Acordo de Paris.

Essa falha no financiamento tem consequências diretas e devastadoras. Muitos países em desenvolvimento, ao perceberem que não teriam o aporte financeiro prometido, submeteram NDCs menos ambiciosas. Adaptando suas metas à sua capacidade financeira limitada, em vez de se pautar pela real necessidade climática. Isso não apenas retarda a ação global, mas também mina a confiança entre as nações, aprofundando as desigualdades e as injustiças climáticas. 

Embora o Brasil seja um dos grandes defensores da ampliação do financiamento climático e do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, o país também enfrenta desafios relacionados ao acesso e à distribuição interna. A inclusão do novo TFFF na NDC brasileira é uma tentativa de chute ao gol, indicando um esforço para inovar na captação de recursos. Porém sua construção já encontra problemas, em termos de governança, gestão, representação de povos e comunidades tradicionais e povos indígenas e repasse dos recursos. É fundamental que esse e outros mecanismos financeiros consigam superar os desafios de acesso e distribuição justa e equitativa. Com a atual NDC, o Brasil perde a chance de se afirmar como um verdadeiro líder na agenda climática – logo no ano em que assume a presidência da COP30. Uma meta mais ambiciosa, acompanhada de diretrizes setoriais claras e um plano de financiamento justo e equitativo, poderia ter sido o golaço que o mundo esperava.