Escrevo esse texto em Baku, no Azerbaijão, diretamente da COP 29, a primeira conferência que acompanho presencialmente. Um pouco de cansaço, um pouco de humilhação por lidar com negociações fechadas ao escrutínio da sociedade civil, mas ao mesmo tempo honrada de fazer parte da agenda de adaptação climática. Talvez essas não sejam as melhores palavras para começar o texto, admito.
Vivenciar uma semana de COP tem me permitido compreender o desgaste de confiar, depender e esperar por negociações climáticas que não levam em consideração a centralidade de nossas discussões: a garantia de vida para as populações mais vulnerabilizadas pelas mudanças climáticas.
E óbvio, não é que eu seja uma pessoa ingênua chegando neste espaço. Em cinco anos de incidência política no Congresso Nacional eu já presenciei vários momentos em que as políticas públicas foram decididas por quem não conhece um milésimo do desespero, da violência e da negação de direitos enfrentada pela população do Brasil. A consequência? Aprovação de projetos que rumam ao desastre, ao retrocesso, à negação de direitos e ao desrespeito com a terra e com o meio ambiente. Mas aqui na COP, diante um contexto gritante de emergência climática, e uma presença INEGÁVEL e INEVITÁVEL da sociedade civil do Sul Global, me parece até mais constrangedor fingir que nossas demandas não são prioritárias. O desprezo que senti lá, sinto cá.
Nos corredores da COP há um sentimento grande de cansaço, desesperança e vontade de retornar ao Brasil devido à falta informação, de diálogo, de abertura para uma incidência efetiva. Boa parte das negociações, como é de costume, acontece a portas fechadas, com a presença exclusiva de quem é “parte negociadora”. Nós, como “observadores”, somos negados mesmo o direito mínimo de observar as decisões que terão impacto em nossas vidas (seria o caso de mudar o nome da função para “não-observadores”? Alô, Professor Pasquale!).
O que pude observar, de fato, foi o trabalho – e a dificuldade – de organizações da sociedade civil brasileira em fazer suas demandas serem respeitadas. Acompanhando o Geledés – Instituto da Mulher Negra, entendi o quanto exigir o mínimo da linguagem de direitos humanos, centrada na intersecção de raça, gênero e idade, é tido como pouco necessário e fundamental. Acompanhando os esforços do Instituto Alana, que se articulou globalmente para garantir uma delegação de crianças e adolescentes na COP, entendi como a preocupação com as gerações do futuro ainda precisa ser escancarada. Isso reforça aquilo que eu já sentia no Brasil: tudo que é nosso, nossas demandas, nossos corpos, nossas vidas, é considerado pouco urgente para a COP. Acontece que somos nós os mais afetados, aqueles e aquelas que na esteira para o fim do mundo estarão posicionados para morrer primeiro. Então me pergunto: essas decisões que se demoram e não chegam a lugar nenhum atenderão a quem?
Semana da consciência negra
É difícil, portanto, dizer que há esperança para a COP 30, que finalmente chegará à América Latina, ao nosso Brasil, no ano que vem. O que há hoje e todos os dias é luta. Luta constante, incessante. Luta daqueles e daquelas que recebem alguns olhares de desprezo, pelos corredores da COP, como se não devessem estar ali. Daqueles que, mesmo com a barreira da língua, com o cansaço, com o custo emocional e financeiro, decidem permanecer estudando, entendendo, incidindo, denunciando, para que de pouco em pouco seja impossível decidir sem nosso olhar, sem nossa contribuição, sem nossas vidas consideradas em sua integralidade. Sérgio Vaz, grande poeta e escritor vindo da periferia de São Paulo diz: “Eu vi vencedores nos olhos de muitos derrotados. Dignidade é tudo.” Me agarrando nisso, quero acreditar nas vitórias que temos ao frequentar esses espaços, melhorando nossas estratégias mesmo diante de tantos obstáculos.
O presente é de luta, como foi o passado, como será esse nosso futuro diante da emergência climática. E não acho trivial, que pelo menos para mim, que sou brasileira, a COP tenha ocorrido no novembro negro, na semana da consciência negra, nesse momento histórico para o movimento, que finalmente tem um feriado negro reconhecido nacionalmente. Minha contribuição é permanecer entendendo, estudando, contribuindo e resistindo. O combinado de permanecer vivo permanece.