O treinador precisou mexer no time, e a troca não foi boa. Isso porque a matriz energética brasileira passou a usar mais carvão e menos água como fonte de energia em 2023. Como resultado, o parque termelétrico que injeta eletricidade no Sistema Interligado Nacional emitiu 4,8% a mais por gigawatt-hora (GWh), em comparação com o ano anterior, de acordo com os dados do “4º Inventário de emissões atmosféricas em usinas termelétricas”, lançado hoje pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). Foram emitidas 671 toneladas de gás carbônico por gigawatt-hora gerado (tCO2e/GWh). Em 2022, o número era de 641 tCO2e/GWh. Esse aumento aconteceu porque as usinas a carvão operaram por mais tempo, enquanto outras, mais eficientes, foram menos acionadas.
“Devido aos maiores níveis de água de reservatórios para geração hidrelétrica e da ascensão de fontes renováveis, 2023 até foi um ano de baixo acionamento de termelétricas. Mas, em períodos de estiagem, a geração dessa modalidade aumenta e, como consequência, as emissões são maiores também”, explica Raissa Gomes, coordenadora do estudo e pesquisadora do IEMA.
A usina Candiota III, que usa carvão, está em primeiro no ranking de emissões em 2023, apesar de ocupar o quinto lugar em termos de geração elétrica
A geração inventariada de eletricidade fóssil injetada no Sistema Interligado Nacional (SIN), que já apresentava queda entre 2021 e 2022, manteve essa tendência em 2023. Houve uma redução de 13% na produção, que passou de 31,1 TWh, em 2022, para 26,9 TWh, em 2023, representando uma diminuição absoluta de 4,1 TWh. Este declínio foi impulsionado, principalmente, por uma queda de 20% na operação das usinas a gás natural, enquanto a geração das usinas a carvão mineral registrou um aumento de 11%.
Ao todo, as 67 termelétricas analisadas geraram 17,9 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e), 96% proveniente de quase metade delas. Do total das termelétricas analisadas, dez delas emitiram 71% dos gases, sendo metade a carvão mineral e a outra, a gás.
As cinco termelétricas que mais geraram energia elétrica em 2023, respectivamente, foram: Mauá 3 (Manaus, AM), com 10% da participação total; Parnaíba II (Santo Antônio dos Lopes, MA), com 9%; Jorge Lacerda IV (Capivari de Baixo, SC), com 9% da participação total; Termorio (Duque de Caxias, RJ), com 8% da participação total; Candiota III (Candiota, RS), com 7% da participação total.
Já as seis usinas mais emissoras de gases de efeito estufa (GEE) foram: Candiota III (Candiota, RS), com 13% de participação total; Jorge Lacerda IV (Capivari de Baixo, RS), com 12%; Pampa Sul (Candiota, RS), 10%; Mauá 3 (Manaus, AM), 6%; Termorio (Duque de Caxias, SE), 6%; e Jorge Lacerda III (Capivari de Baixo, RS), também 6%.
Em 2023, a maior geração por termelétricas foi do Subsistema Norte (39%), principalmente, do Amazonas, disponibilizando 10,5 TWh à rede. “Ainda que a geração termelétrica fóssil tenha caído no ano analisado, observa-se um aumento da proposição de novos projetos termelétricos, inclusive, nessa região”, lembra Gomes.
Ineficiência das usinas a carvão mineral
Vale destacar que nove das dez usinas que mais emitem por gigawatt-hora (GWh) produzido empregam carvão. São elas, respectivamente: Candiota III (Candiota, RS), Pampa Sul (Candiota, RS), Jorge Lacerda III (Capivari de Baixo, RS), Jorge Lacerda I e II (Capivari de Baixo, RS), Porto do Itaqui (São Luís, MA), Porto do Pecém I (São Gonçalo do Amarante, RN), Figueira (Figueira, PR), Porto do Pecém II (São Gonçalo do Amarante, RN), Jorge Lacerda IV (Capivari de Baixo, RS), Termopernambuco (Ipojuca, PE). Apenas a última emprega gás natural.
A usina Candiota III, que usa carvão, está em primeiro lugar no ranking de emissões – respondendo por 13% do total em 2023 –, mas se encontra apenas como a quinta em termos de geração elétrica, sendo responsável por 7% da energia elétrica produzida. Já Parnaíba II, que utiliza gás, é a segunda térmica fóssil que mais produziu energia elétrica em 2023, mas é a sétima maior emissora.
Esses dados apontam a ineficiência de usinas que empregam o carvão mineral como combustível – em 2023 essa categoria de usinas teve média de eficiência de apenas 33%. A Região Sul, sede de grandes usinas a carvão mineral, apesar de ser aquela com o menor número de usinas, é a maior emissora com 45% das emissões inventariadas (oito milhões de toneladas de CO2e).
Inclusive, tramita no Senado o Projeto de Lei (PL) número 576/2021 que, inicialmente, deveria tratar sobre a exploração de energia eólica em alto-mar (offshore), mas incluiu a postergação dos contratos de termelétricas a carvão mineral até 2050. Pela legislação em vigor, essa obrigatoriedade acabaria em 2028.
Empresas mais emissoras
Em 2023, 27 empresas mantiveram sua participação em termelétricas, mas houve alterações em composições de proprietários. Entre os principais destaques está a venda da Candiota III da Eletrobras para a Âmbar Energia. Já o BTG adquiriu participação em quatro usinas: obteve a Ponta Negra e, na Pampa Sul, na Geramar I e na Geramar II, adquiriu 50% das ações.
Também foi realizada a venda de 80% da Porto do Pecém I da EDP Brasil para a Mercúrio Asset. Além disso, três empresas entraram no mercado de geração termelétrica: Mitsubishi Power Americas, Infraestrutura Brasil Holding III S.A. e Shell Gas B.V., com a inauguração da termelétrica Marlin Azul, em Macaé (RJ).
Observa-se ainda uma concentração da geração, onde cerca de 66% foi de responsabilidade de quatro empresas: Petrobras com 21%; Eneva, 17%; Fram Capital Energy, 15%; Eletrobras, 13%.
As emissões de gases de efeito estufa (GEE) também se concentraram: 73% das emissões foram responsabilidade de cinco companhias. Neste ranking, a Fram Capital Energy sai na frente, sendo responsável por 22% das emissões. Seguida de: Petrobras, 19%; Âmbar Energia, 12,5%; Eneva, 11%; e Eletrobras, 9%.
Com relação à taxa de emissões de dióxido de carbono equivalente (tCO2e/GWh), a Âmbar Energia foi a maior emissora, pois é detentora da termelétrica a carvão Candiota III. As seis empresas com as maiores taxas de emissão são, predominantemente, proprietárias de usinas a carvão mineral.
E a Petrobras, que se destaca como uma das maiores geradoras de energia, ocupa o segundo lugar no ranking das emissões, mas apresenta taxa de emissão menor que a média do sistema devido ao seu portfólio predominantemente composto por usinas a gás natural ciclo combinado.
Contexto
A matriz elétrica brasileira está passando por uma transição marcada pela crescente participação de fontes renováveis não hídricas, como biomassa e eólica, e pela expansão do uso de combustíveis fósseis. A geração solar apresentou um aumento de 68% em um único ano e um impressionante crescimento acumulado de 661% nos últimos cinco anos.
Entre 2002 e 2023, a geração total de energia elétrica cresceu 105%, enquanto a geração a partir de fonte hidráulica teve um aumento de apenas 49%. Apesar disso, a hidroeletricidade continua sendo a principal fonte da matriz elétrica brasileira, respondendo por 60% de toda a eletricidade gerada em 2023.
Produzido anualmente pelo IEMA, este é o quarto estudo que avalia as emissões de GEE, os poluentes atmosféricos e a representatividade das termelétricas brasileiras de serviço público e autoprodutoras — usinas associadas a indústrias que, em sua maioria, atendem à própria demanda por eletricidade — com energia fornecida ao SIN. A análise exclui plantas movidas a combustíveis renováveis e unidades cujos combustíveis utilizados não puderam ser identificados. Também ficam fora do escopo as termelétricas dos Sistemas Isolados (Sisol), compostos por pequenas e médias usinas com informações limitadas disponíveis.
Uma versão maior deste texto está disponível no site do Iema