A pecuária brasileira é aquele jogador promissor que ainda não deslanchou. A atividade tem técnica e competência para reduzir as emissões de metano (CH4), um potente gás de efeito estufa (GEE), mas ainda falta movimentação para transformar esse potencial em resultados.
O metano é o segundo gás de efeito estufa mais emitido no mundo, atrás apenas do dióxido de carbono (CO₂). Com uma sobrevida de 12 anos na atmosfera, ele dura menos do que os demais GEE, mas retém cerca de 28 vezes mais calor do que o CO2 em um horizonte de 100 anos, intensificando o aquecimento global. O Brasil costuma ocupar o quinto lugar no ranking global de emissores de metano. Em 2023, o gás foi responsável por 24% do impacto climático do país, com 21 milhões de toneladas emitidas – 75% delas vindas do setor agropecuário, o maior volume já registrado.

"Arroto do boi": relatório do Seeg mostra que melhorias na pecuária cortariam as emissões de metano do Brasil em 36% até 2030
A pecuária sozinha foi responsável por 92% das emissões de metano do setor, principalmente devido ao conhecido “arroto do boi” – resultante do processo de digestão dos animais, principalmente os ruminantes – seguida pelo manejo de dejetos desses animais (6%). Os 2% restantes ficaram na conta do setor agrícola, principalmente relacionados às atividades de cultivo de arroz com irrigação e queimas de pastagens e resíduos da cana-de-açúcar.
A bola que reduziria as emissões do metano pelo país está posicionada no campo da bovinocultura de corte e de leite. A mitigação de metano ajudaria o país a cumprir o Acordo de Paris, especialmente diante da nova meta climática anunciada na COP29, em Baku. A nova meta nacionalmente determinada (NDC) brasileira prevê a redução de emissões entre 59% e 67% até 2035 em relação a 2005, mas sem indicativos de priorização pela meta mais ambiciosa.
Vale lembrar que o Brasil também assinou o Acordo Global de Metano (Global Methane Pledge), pelo qual mais de 150 países comprometeram-se a reduzir as emissões de metano em 30% até 2030 frente aos níveis de 2020. Mas as ações seguem no campo das promessas: as estratégias para redução de metano ainda seguem em segundo plano e sem metas específicas, assim como também não há clareza em como o tema será contemplado na Estratégia Nacional de Mitigação (ENM) do Plano Clima, que irá definir o esquema de jogo para cumprimento da NDC brasileira.
O CAMISA 9
Historicamente, a camisa 10 da mitigação de emissões de GEE pertence à redução do desmatamento. Mas falta um camisa 9, e a pecuária tem tudo para assumir esse papel. Mesmo sem metas específicas para conter emissões de metano, o Plano ABC+ – ou Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, em vigor há 15 anos – favorece a expansão e a adoção de tecnologias e práticas que impactam direta ou indiretamente nessa diminuição.
É o caso de ações como a Terminação Intensiva (TI) e o Manejo dos Resíduos da Produção Animal (MRPA). A primeira preconiza a redução da idade de abate do gado de corte, o que restringe a emissão por cabeça. Já o MRPA recomenda a adoção de sistemas de manejo de dejetos menos emissores, como biodigestores e composteiras, para substituir as tradicionais lagoas anaeróbicas que produzem grandes quantidades de metano.
Outras táticas contra o metano são as Práticas de Recuperação de Pastagens Degradadas (PRPD) e os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que reduzem emissões de forma indireta ao garantir alimentação de melhor qualidade e quantidade para o gado. O melhoramento genético do rebanho e a manipulação da dieta, com o uso de aditivos para melhorar a digestibilidade, são outras medidas que conciliam a redução de emissões com o aumento da produtividade e do bem-estar animal. Cada uma dessas ações tem potencial de mitigação diferente, apresentando sinergias com demais ações e podendo ser adotadas considerando os diferentes contextos da produção pecuária nacional. O diferencial é que todas estão alinhadas como a promoção da produtividade, conciliando mitigação com melhor eficiência na atividade.
Segundo um relatório do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) apresentado pelo Observatório do Clima em outubro de 2022, o Brasil tem potencial para cortar em 36% suas emissões de metano até 2030, superando a meta de 30% do Compromisso Global do Metano. A estimativa mostra que a redução pode ser alcançada com a ampliação de políticas já existentes nos setores de agropecuária e também de energia, saneamento e controle do desmatamento.
Também é fundamental a consolidação de um sistema de Monitoramento, Reporte e Verificação (MRV) das práticas que já ocorrem no campo e que ajudam na mitigação do metano, principalmente aquelas beneficiadas por financiamentos do Plano ABC+. A pecuária tem potencial para ser artilheira no combate brasileiro às mudanças climáticas e virar a estrela do time, basta chutar a bola para o gol.