Desde hoje, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva tem exatos dez dias para sancionar – ou, espera-se, vetar – o PL 2159/2021, da Devastação, aprovado na Câmara dos Deputados na madrugada de 17 de julho por 267 votos a 116. O veto faria jus à cena que Lula usou como símbolo da sua volta ao poder neste terceiro mandato: a subida na rampa do Palácio do Planalto acompanhado de brasileiros de diferentes etnias, cores, idades, gêneros e profissões, como uma forma de marcar uma vitória do povo. Pois se Lula subiu a rampa com o povo, chegou a hora de defender o interesse do povo.

E Lula já mostrou que sabe jogar na defesa no que diz respeito a vetos presidenciais. Como mostrou o colunista Lauro Jardim, no jornal “O Globo”, ele vetou 35 projetos de lei em seu primeiro mandato, de 2003 a 2006, e 74 no segundo, de 2007 a 2010. Neste terceiro mandato, foram treze vetos integrais de projetos aprovados pelo Congresso, por considerá-los inconstitucionais ou contrários ao interesse público. Para efeito de comparação, Jair Bolsonaro vetou 64 projetos de lei em seus quatro anos de destruição à frente do Planalto. Ou seja: Lula tem jogado na defensiva, entrando em menos bolas divididas.

Tira-teima do jogo: dentre os treze vetos, quatro foram derrubados pelo Congresso, virando leis, e cinco ainda estão em tramitação, aguardando análise dos parlamentares

O cartão vermelho mais recente foi dado neste mês, no veto ao Projeto de Lei Complementar 177/2023, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), filha de Eduardo Cunha, que aumentaria o número de deputados federais de 513 para 531. Agora, a sociedade civil espera que o presidente repita o lance com o PL 2159, aquele que estraçalha com o sistema de licenciamento ambiental.

O veto é quando o presidente da República decide não aceitar um projeto de lei aprovado pela Câmara e pelo Senado. No caso mais recente, Lula vetou o PLP 177/2023, de Dani Cunha, porque a proposta geraria aumento de gastos sem indicar de onde viriam os recursos nem apresentar medidas para compensar essas despesas. Nesta reportagem, a Central da COP elenca todos os demais vetos feitos pelo presidente neste terceiro mandato, de forma a mostrar que Lula sabe muito bem quando aplicar o cartão vermelho. Em 2025, foram estes:

  • PL 2687/2022, que propunha a classificação do diabetes tipo 1 como deficiência. O PL foi vetado porque ignorava que uma deficiência deve ser avaliada considerando as limitações de uma pessoa no dia a dia, e não só o diagnóstico de uma a doença.
  • PL 6064/2023, que previa o pagamento de indenização e pensão vitalícia a vítimas da microcefalia causada pelo vírus da zika. Foi barrado, na justificativa do presidente, por privilegiar um grupo específico (pessoas com microcefalia por zika), sem aplicar o mesmo critério a outras pessoas com deficiência em situação parecida, o que fere o princípio da igualdade.

Neste último caso, o Congresso rejeitou o veto presidencial – ou seja, derrubou a decisão do Planalto – e o projeto se transformou na Lei nº 15.156. Isso é algo, inclusive, que pode acontecer nos próximos dias, caso Lula vete o PL da Devastação: o veto pode ser derrubado pelo Congresso, que tem pleno interesse no afrouxamento da legislação ambiental.

Em 2024, Lula vetou integralmente mais cinco projetos de lei:

  • PL 397/2024, que prorrogava os prazos de financiamentos rurais para municípios em situação de emergência. O texto foi rejeitado porque permitiria que a prorrogação por reconhecimento de estado de calamidade ou de situação de emergência fosse feita por ato oficial do município, do estado ou do Distrito Federal, sem reconhecimento federal.
  • PL 5979/2019, que autorizava o uso do vale-cultura para a prática de atividades esportivas. Foi descartado porque descaracterizava o benefício, que tem foco no acesso à cultura.
  • PL 4731/2023, que isentava do IPI a compra de móveis e eletrodomésticos por vítimas de desastres. O PL tinha risco, segundo Lula, de propiciar benefícios tributários e margem de lucro para produtores e fornecedores dos bens, sem garantir alívio real às vítimas.
  • PL 5332/2023, que dispensava a reavaliação periódica de aposentados por incapacidade permanente. O texto foi vetado porque impediria o controle adequado dos benefícios previdenciários e assistenciais. No entanto, o veto foi rejeitado pelo Congresso, e o projeto virou a Lei nº 15.157.
  • PL 2250/2022, que tornava obrigatória a limpeza periódica da areia de quadras e parques públicos. Acabou negado por ser uma medida de alto custo e baixa efetividade, segundo o governo.

Já em 2023, no primeiro ano do mandato, foram cinco vetos totais. Entre eles:

  • PL 334/2023, que tratava da desoneração da folha de pagamento de diversos setores da economia. O texto foi rejeitado por Lula porque criava renúncia fiscal sem estimativa de impacto ou compensação, fazendo o governo deixar de arrecadar dinheiro, sem mostrar como esse custo seria compensado.
  • PL 1949/2021, que concedia adicional de periculosidade a motoristas de aplicativos. O texto não apresentava, segundo o presidente, critérios técnicos claros, podendo colocar em risco a segurança dos trabalhadores do setor de transporte de cargas e de passageiros pelo transporte de substâncias perigosas, como líquidos inflamáveis ou gases liquefeitos.
  • PLS 332/2011, que instituía pensão especial para ex-integrantes do Batalhão Suez. Foi barrado por não conter previsão de fonte orçamentária e financeira necessária para cobrir a despesa.

Os vetos a essts três projetos foram rejeitados, e as propostas viraram, respectivamente, a Lei nº 14.784, de 27 de dezembro de 2023, a Lei nº 14.766, de 22 de dezembro de 2023 e a Lei nº 14.765, de 22 de dezembro de 2023.

Completam a lista de 2023 duas proposta vetadas por não se adequarem à estimativa de gastos da União:

  • PL 947/2022, que permitia a dedução no Imposto de Renda de despesas com o pagamento de royalties por sementes transgênicas.
  • PL 2108/2019, que tornava obrigatório o fornecimento gratuito de uniformes escolares a alunos da educação básica.

Tira-teima do jogo: dentre os treze vetos, cinco foram derrubados pelo Congresso, virando leis, e cinco ainda estão em tramitação, aguardando análise dos parlamentares. Enquanto não são votados em sessão conjunta por deputados e senadores, esses vetos seguem válidos e os projetos de lei vetados não entram em vigor. Caso eles sejam rejeitados, os textos originais, ou parte deles, passam a valer como lei, mesmo contra a vontade do presidente.

“Retrocessos como o PL da Devastação evidenciam a utilização indevida do poder por parte daqueles que deveriam representar e proteger o povo brasileiro, mas seguem privilegiando interesses privados”, disse Beatriz Pagy, diretora executiva da organização Clima de Política. “A mobilização social contra o PL 2159 nas últimas semanas mostram como é fundamental a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas responsáveis e representativas. Agora cabe ao Lula vetar todo o projeto e se posicionar firmemente contra os retrocessos do Congresso Nacional, compreendendo a insegurança jurídica e inconstitucionalidade do projeto.”

A coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, complementa: “O veto ao PLP 177, que aumentava o número de deputados para 531, deixa claro que Lula sabe quando um projeto de lei é aprovado em nome de uma pequena elite, e não do povo brasileiro. É um caso que se repete, agora, com o PL da Devastação. Espera-se, portanto, que ele vete, para manter a coerência.”

O prazo para o veto é 8 de agosto.