Nos grandes centros, o preço da castanha do Pará (da Amazônia ou do Brasil) disparou neste ano, com o quilo passando de R$ 94 em julho de 2024 para R$ 260 em julho de 2025. Coletada por extrativistas na Floresta Amazônica, a safra, que vai de dezembro a abril, foi a pior de que se tem notícia; a quebra atingiu todos os países que formam a Amazônia. 

Além de ser uma fonte de proteínas importante na alimentação dos povos tradicionais, a castanha é um produto da sociobiodiversidade que contribui como alternativa de renda. Para o jovem munduruku Akay Nuwaptu, a causa da escassez é “a crise climática, que também causou a seca do rio”. Ele conta que algumas regiões não tiveram castanhas nem para consumo e que sua aldeia, localizada no Alto Tapajós, ficou entre as mais impactadas. Sua comunidade sofreu com duas grandes secas, em 2023 e 2024, que se seguiram à floração das castanheiras e que contribuíram para o recorde de queimadas.

Na TI Baú, no Pará, que produz castanhas excepcionalmente grandes, os ouriços estavam vazios, em função das mudanças do clima

“Houve a floração, mas era preciso ter uma chuva em dezembro que só veio em meados de janeiro. O pólen secou, não tinha umidade e a produção foi muito, muito baixa,” explica Marcio Santos, Técnico do Núcleo de Assistência Técnica do Projeto Saúde e Alegria, que auxilia na logística e na comercialização da castanha dos Munduruku no Alto, Médio e Baixo Tapajós. 

A pesquisadora Lucia Wadt, chefe-geral da Embrapa Rondônia, reforça a percepção de Akay e diz que o que aconteceu com a safra deste ano foi um evento similar ao de 2017, quando os castanhais do Brasil, da Bolívia e do Peru tiveram a menor produção já registrada em toda a Amazônia. A Embrapa, que monitora castanhais no Brasil, registrou uma queda de 70% na produção em 2017 – a maior, até então. Com menos parcelas monitoradas nos últimos anos por falta de recursos, Wadt acredita que “este ano a queda pode ter sido superior a 80%”. 

As duas grandes quebras foram resultado da combinação do fenômeno climático El Niño. Apelidado assim em alusão ao nascimento de Jesus e por atingir seu ápice em dezembro, esse aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico afeta os ventos e o clima em diferentes partes do mundo. Em 2015 e 2023, ele foi mais intenso do que o normal, provocando o aquecimento de 2ºC na média de temperatura das águas próximas ao Equador ao longo de nove meses, o que impediu o desenvolvimento das castanhas.

Kayapó da aldeia Baú na coleta em 2022. FOTO LALO DE ALMEIDA / INSTITUTO KABU

O aquecimento do Atlântico Norte no mesmo período completou o quadro. Se o El Niño provocou mais chuvas no sul do Brasil, as águas mais quentes no Atlântico Norte provocaram seca no Norte e Nordeste. Na TI Baú, no Pará, conhecida por produzir castanhas excepcionalmente grandes, os Kayapó que saíram para a coleta encontraram ouriços vazios. “Quando tinha castanha dentro, eram pequenas,” conta Kremaiti Kayapó, que também participa da coleta anual na aldeia Baú.

Kokoró Mekragnotire, liderança do povo Kayapó, trabalha em tempo integral na área de monitoramento do Instituto Kabu, no sudoeste do Pará e aproveita o recesso de janeiro para coletar castanha. Neste ano, retornou de mãos vazias. “Fui para aldeia Krimej, na Terra Indígena Menkragnoti. O castanhal era longe e estava todo queimado”. 

O Man Gap, projeto de desenvolvimento de cadeias de valor nas Terras Indígenas Zoró e Apiaká-Kayabi, no Mato Grosso, iria vender à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) 54 toneladas de castanha beneficiada até o final de 2025 para merenda escolar, mas com a falta de castanhas foi necessário renegociar contratos de compra e venda. “Vamos entregar o que não conseguimos agora no ano que vem, que promete ser uma supersafra”, conta Paulo César Nunes, da Paititi projetos e coordenador do Man Gap. Um fundo rotativo foi criado para garantir a aquisição da produção in natura nas comunidades e entregas futuras. 

Este seria o primeiro ano em que o território Apiaká-Kayabi iria vender castanhas beneficiadas nas fábricas montadas pelo projeto dentro das Terras Indígenas. Marco Luis Tagiai Kayabi é o coordenador local: “Antes vendíamos para uma cooperativa e agora iríamos receber um valor maior. Em 2023/24 coletamos mais de 500 toneladas de castanha. Agora coletamos três ou quatro. Não deu nem para consumo nosso.”  

Marcão, como é conhecido, diz que a renda da castanha ajuda na compra de bens como celulares, roupas e material escolar. “Não sei se é por causa do clima, porque também teve muita queimada. Mata que nunca pegou fogo queimou no ano passado. Muitos jovens indígenas saíram pra trabalhar nas fazendas. Nunca tinham precisado sair antes”, lamenta, apesar de estar animado para 2026. 

Supermercado em Brasília, em julho de 2025: 150gr de castanha a mais de R$ 60. FOTO ACERVO PESSOAL

Mas Gilvan Sampaio, Coordenador-Geral de Ciências da Terra no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e especialista em El Niño alerta que a concentração cada vez maior de gases do efeito estufa resultará em maior frequência de El Niños extremos. “Os sistemas naturais são resilientes a extremos do clima, mas não a extremos frequentes numa janela mais curta de tempo. Eles começam a colapsar.” O pesquisador acrescenta que “há vários estudos que demonstram que o aumento de CO₂ na atmosfera diminui a produtividade de grandes árvores” – como as castanheiras amazônicas, que alcançam mais de 50 metros. Ele ressalta que são necessários mais estudos para mapear a vulnerabilidade dos castanhais e seus polinizadores.

Em nota técnica divulgada em março de 2025, a Embrapa afirma que “após um período de estresse climático severo, as castanheiras tendem a compensar com maior floração e frutificação nos ciclos seguintes. Além disso, as castanheiras e o solo ficam com uma maior reserva de nutrientes, que não foram drenados devido à baixa produção de frutos, para abastecer as próximas safras”. No documento, é afirmado que a quebra da safra 2024-2025 é um evento pontual e a expectativa é de que a produção volte a crescer já na próxima safra, em 2025-2026.

Wadt, uma das pesquisadoras que assinam a nota, teme que a desorganização da cadeia ocorrida em 2017 se repita. “Muitas empresas de transformação, que produzem barras de cereal, sorvetes e chocolates tiraram os produtos de linha, mudaram rótulos. Essa não é a única castanha”.  Para evitar esse colapso e buscar a estabilização da cadeira produtiva, a nota inclui recomendações como apoio ao financiamento, gestão de estoques e flexibilização de contratos, como aconteceu em Rondônia, para assim evitar a demora de cinco anos para o retorno do equilíbrio de preços ocorrido na última quebra.

Até agora, as quebras de safra da castanha do Pará são seguidas de supersafras, mas a crise climática pode agravar a situação de quem depende da castanha como fonte de nutrição e de renda. Por isso, o Observatório da Castanha-da-Amazônia (OCA), que reúne extrativistas e organizações comunitárias na Amazônia brasileira defende um seguro climático. André Tomasi, que faz parte do Secretariado-Executivo do OCA e é assessor do IEB, conta que a proposta foi apresentada à Câmara dos Deputados em 2024 e inclui garantia de safra e estoque regulador do governo. 

A deputada Celia Xakriabá (PSOL-MG) apresentou em abril de 2025 o PL 1528 que protege agricultores familiares de enchentes e secas e inclui indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, artesãos e pescadores no Garantia-Safra. O projeto está sendo analisado em comissões e está alinhado com os esforços do OCA em garantir segurança às comunidades.