No Brasil, sete em dez evangélicos acreditam no aquecimento global, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto de Estudos da Religião em junho 2024. Nos Estados Unidos, nove em dez líderes cristãos “acham que a mudança climática é real”, ainda que metade admita jamais ter discutido o assunto com seus fiéis. Resultados de uma pesquisa da Pew Institute mostram que a proporção de quem vincula o aquecimento global à atividade humana é maior entre tradições não cristãs (70%) e ateus (90%), do que entre os cristãos de diferentes denominações (45%). A excessão fica com o grupo dos protestantes negros, que se preocupam mais com o aquecimento global.

Qual é o nexo entre mudanças climáticas e comunidades de fé? Foi essa pergunta que inspirou a criação da iniciativa Fé no Clima, fundada há uma década pelo ISER, o Instituto de Estudos da Religião. Seria possível que a narrativa da crise climática juntasse tradições religiosas diversas – que tantas vezes se enfrentam em disputas e guerras – em torno do cuidado com a casa comum, unindo criação, Pachamama, e orixás? Poderia a fé se tornar aliada da ciência na difusão do conhecimento sobre esse fenômeno antropogênico das mudanças climáticas? E mais: lideranças religiosas teriam potencial para gerar mobilização política em torno do tema no cenário internacional?

A ciência do clima e as crenças religiosas podem andar lado a lado?

A crise climática tem o poder de unir tradições religiosas diversas em torno do cuidado com a casa comum

Nossa primeira tentativa de reunir diferentes vozes em torno dessas questões aconteceu em setembro de 2009, no Instituto de Estudos da Religião, ONG que é até hoje referência no tema, e que faz parte da rede do Observatório do Clima. O encontro reuniu lideranças religiosas, cientistas, ambientalistas, ativistas climáticos e representantes do poder público. Foi um sucesso, mas pontual, devido à escassez de recursos.

Seis anos depois, o mundo se preparava para a COP21 em Paris, e circulava a informação de que o Papa Francisco lançaria a encíclica Laudato Sí, na qual a fé é convocada como aliada da ciência na luta contra as mudanças climáticas. Era o sinal de que comunidades religiosas podiam – e deviam – atuar juntas na proteção da casa comum. Naquele mesmo ano, Alice Amorim – hoje Diretora de Programa da Presidência da COP30 – sugeriu que a professora Denise Fonseca e eu mobilizássemos lideranças religiosas, de forma a que virassem novas representantes na agenda climática. À época, Alice atuava na organização Gestão de Interesse Público (GIP).

Assim nasceu a iniciativa Fé no Clima, que reune milhares de seguidores, promove formação de juventudes religiosas no programa Boto Fé no Clima e organiza encontros em diversos territórios sagrados espalhados pelo Brasil. Retomo essa história porque o tema tem finalmente conquistado o espaço que merece, sobretudo neste ano em que o Brasil sedia a COP.

A celebração dos dez anos de Fé no Clima coincide com os 33 anos da Vigília pela Terra da Eco-92. Para comemorar esses feitos, o ISER está promovendo seu primeiro roadshow: uma série de Vigílias pela Terra em preparação para a COP30, culminando com o evento em Belém do Pará, no dia 13 de novembro de 2025.

Estivemos juntos num sábado recente, dia 30 de agosto, no Largo da Candelária, na abertura das Vigílias pela Terra. Assistimos a falas de lideranças religiosas, de juventudes religiosas, de ativistas climáticos e a apresentações de artistas alinhados à causa. Da compostagem que surge da pluralidade religiosa faz-se o substrato para a paz mundial e a vida na terra.

Que a COP deste ano – a primeira sediada na América Latina, em meio à Floresta Amazônica – tenha a sabedoria de ouvir povos da floresta e comunidades tradicionais. Paradoxalmente, esses grupos são os que mais contribuem para a manutenção das florestas em pé, menos contribuem para as mudanças climáticas, e mais sofrem com os eventos extremos. Que a política climática internacional esteja finalmente aberta a novas epistemologias.

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O Observatório do Clima lançou em 2025 a cartilha “Nossa Casa Comum – Guardiões da Criação”, feita em parceria com o ISER e o Movimento Laudato Si’, com apoio da CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil). Ela explica, em 48 páginas, o nosso atual quadro de crise climática, e aponta caminhos para a ação pastoral e comunitária frente ao problema. A cartilha pode ser acessada aqui.