Aqui em Bonn, na Alemanha, onde ocorre a SB62 (62ª sessão de negociações preparatórias da Convenção do Clima da ONU) o Laboratório da Cidade – organização da sociedade civil sediada em Belém do Pará, que tenho a honra de representar – participa das discussões sobre o futuro da adaptação climática, com foco especial nas cidades, tema que acompanhamos de forma contínua nos últimos anos, além de aproveitar para articular com organizações de outros países e outras regiões do Brasil. Mas nossa presença vai além do acompanhamento técnico: estamos aqui para reafirmar uma bandeira que defendemos desde o primeiro momento: a realização da COP30 em Belém.
Desde o anúncio oficial, temos nos dedicado a fortalecer essa escolha. Quando surgiram as primeiras críticas, muitas delas marcadas por preconceito e racismo velado, fomos os primeiros a reunir dados, argumentos e alianças para desmentir a narrativa deturpada. Nosso ponto de partida sempre foi claro: Belém é simbólica, real e urgente.

Quando uma diária em Belém chega a R$6 mil, delegações de países mais pobres não conseguem participar- e uma COP sem a presença de qualquer país, sobretudo do Sul Global, é uma COP sem legitimidade, o que pode forçar o Brasil a mudar a cidade do evento
A cidade enfrenta desafios profundos – como milhares de outras no Sul Global. Mas já passou da hora de deixarmos de realizar COPs em cidades-butique, resorts ou capitais europeias. O mundo precisa pisar na realidade. Belém é um microcosmo da desigualdade global, e é exatamente por isso que sua escolha é tão potente. Aqui, além de cultura vibrante e calor humano, os visitantes verão de perto a emergência climática e a necessidade de justiça ambiental.
Por isso, refutamos um a um os argumentos levantados contra Belém. A infraestrutura da Blue e Green Zone está dentro do cronograma e bem executada, comparável – em tamanho e qualidade – à das COPs 27 (Egito) e 29 (Azerbaijão). A mobilidade urbana tem um plano sólido e funcional: férias escolares, incentivo ao home office, ônibus com ar-condicionado, corredores dedicados e rotas conectando hotéis ao evento. O Aeroporto Internacional de Belém, que em meses normais recebe em média 330 mil passageiros e no mês de outubro de 2024 (durante o Círio de Nazaré) recebeu 400 mil passageiros, está ampliando sua capacidade de 4 para 7 milhões/ano. O planejamento para a alimentação no evento prevê pelo menos 30% dos ingredientes de origem local, fortalecendo a agricultura familiar e garantindo sustentabilidade econômica, social e ambiental para o evento.
Para cada argumento preconceituoso, nós temos uma boa resposta. Tudo isso demonstra que Belém está pronta. Mas há um problema que não conseguimos rebater – o atual preço da hospedagem. Para entendê-lo, é preciso lembrar o momento em que vivemos. O multilateralismo e a ONU estão sob ataque. O negacionismo climático, guerras e autoritarismos corroem a cooperação internacional. A realização da COP30 em Belém representa uma rara chance de renovar a esperança no diálogo global e de enfrentar a crise do clima com seriedade.
Mas sem participação ampla, não há legitimidade. Na Convenção do Clima, a pequena ilha-nação de Tuvalu tem o mesmo peso que a França. É um dos princípios mais poderosos do multilateralismo: todas as vozes contam igualmente. Mas essa igualdade formal esbarra, na prática, em profundas desigualdades econômicas entre países. Não deve ser um grande desafio para os governos do Qatar ou dos Emirados Árabes paguem por suas acomodações, mesmo em cenários como o atual em Belém. Mas, a maioria dos países tem outra realidade. Botsuana, Bolívia, Haiti, Congo ou Tuvalu não dispõem dos mesmos recursos financeiros para enviar suas delegações, aqui em Bonn, até mesmo a representação da União Européia reclamou dos preços.
Quando uma diária em Belém chega a R$6 mil, essas delegações simplesmente não conseguem participar- e uma COP sem a presença de qualquer país, principalmente do Sul Global, é uma COP sem legitimidade e isso forçaria o Brasil a mudar a cidade do evento.
E não são apenas os Estados: as constituencies formalmente aceitas da Convenção – redes da sociedade civil, movimentos sociais, universidades, centros de pesquisa e juventudes – também são parte fundamental das negociações. Elas ajudam a manter o processo transparente, inclusivo e conectado à realidade. Essas organizações são oficialmente parte da convenção do clima e trabalham com orçamentos limitados e enfrentam as mesmas barreiras financeiras.
Entre os cerca de 50 mil credenciamentos que serão emitidos para entrada na Blue Zone, cerca de 10 mil devem ser destinados ao staff do evento: pessoas que trabalham nos bastidores para garantir tradução simultânea, som, transmissão, alimentação, credenciamento, logística, segurança e operação de salas. Muitas delas precisam ser multilíngues, com formação técnica e contratadas fora de Belém. A COP também possui uma ampla cobertura midiática, com jornalistas e fotógrafos do mundo todo. Como esperar que essas pessoas, com salários regulares, consigam bancar hospedagens de milhares de reais por noite?
Não, não é razoável sugerir que esses profissionais durmam em redes, escolas ou acampamentos. Eles vêm a trabalho e seu descanso é tão essencial quanto sua atuação. São eles que, silenciosamente, fazem a COP acontecer. São eles que viabilizam a escuta e o diálogo.
Se a hospedagem continuar inacessível, será impossível garantir a diversidade, a inclusão e o rigor técnico que fazem da COP um processo confiável e o mundo precisa que a COP de Belém seja confiável. Sem isso, o governo brasileiro será forçado a retirar uma parte da COP30 de Belém. E, nesse cenário, todos perdem — inclusive Belém.
TRÊS PEDIDOS
Nas palavras do presidente da COP30, André Corrêa do Lago, “houve uma falha de mercado em Belém”. E ela precisa ser corrigida com urgência. Por isso, deixo aqui três pedidos claros:
Ao Governo Federal – Casa Civil: priorizar com urgência o lançamento da plataforma oficial de hospedagem da COP30, com preços justos e proibindo acomodações com valores abusivos e em disponibilidade adequada com o número de credenciados. A mesma empresa que organizou a plataforma da COP29 já está contratada. Falta agilidade e transparência por parte da Casa Civil.
Ao Governo do Estado do Pará: sentar à mesa com o setor hoteleiro e imobiliário. É preciso deixar claro que a COP30 corre risco real de perder parte de sua programação em Belém por causa dos preços abusivos.
Às moradoras e moradores de Belém que disponibilizam seus imóveis para locação: reflitam. Sabemos que é legítimo aproveitar o momento para gerar renda. Mas cobrem preços razoáveis.
Reservas podem ser canceladas caso Belém deixe de receber parte da COP 30. É possível ganhar sem perder. Não deixemos a ganância matar um sonho coletivo. Belém pode – e vai – mostrar ao mundo como fazer uma COP mais acolhedora, mais real, mais justa. Temos a oportunidade de deixar um legado inclusivo, que inspire outras cidades do Sul Global. Mas, para isso, precisamos superar urgentemente essa crise de preços e voltar a focar no que importa: combater as mudanças climáticas. A logística precisa estar resolvida agora. Só assim conseguiremos garantir que a COP30 seja, de fato, um marco histórico para Belém, para a Amazônia, e para o mundo.
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* Este texto foi publicado originalmente no Amazônia Vox