Anote aí na agenda: daqui duas semanas, na terça-feira, 17 de junho, ocorrerá em Brasília a audiência pública do Ibama para discutir o impacto ambiental de uma usina termelétrica, movida a gás fóssil, que pode ser instalada na capital federal. Ainda em fase de licenciamento, a UTE Brasília é planejada para o bairro Samambaia. A eventual implementação será um gol contra nas metas climáticas, já que haveria um acréscimo de 4,76 milhões de toneladas de CO₂ por ano — o equivalente a 44% da cota total de emissões do Distrito Federal até 2025, segundo o próprio Plano Carbono Neutro local.
O contraste entre a retórica internacional e a prática local não é apenas desconcertante, é perigoso. O plano instituído em 2022 no Distrito Federal mobiliza ações setoriais em energia, transporte, agricultura, uso do solo e resíduos, e poderia servir de modelo para outras regiões. No entanto, sua credibilidade fica seriamente comprometida diante do projeto da UTE Brasília, que impõe um retrocesso estrutural à matriz energética local.

O projeto da Usina Termelétrica impõe um custo ambiental e social desproporcional ao retorno prometido
Vamos aos dados: o projeto impõe um custo ambiental e social desproporcional ao retorno prometido. A estimativa é de apenas 80 empregos gerados, enquanto o impacto nas comunidades do entorno será profundo e duradouro. A Escola Pública Classe Guariroba, por exemplo, pode ser desativada e removida para dar lugar à usina, impactando mais de 500 famílias.
Outro ponto crítico é o Rio Melchior, classificado como Classe IV — a pior categoria de qualidade da água segundo a legislação brasileira. A usina pretende captar 110 m³ de água por hora desse rio e devolver efluentes, agravando a situação de um corpo hídrico já fragilizado. Apesar da poluição e do assoreamento, o rio ainda é fonte de renda e subsistência para moradores da região, que dependem de suas águas para pesca artesanal, pequenos cultivos e atividades domésticas. Ao sobrecarregar esse ecossistema, a UTE agrava um quadro já crítico e ameaça a segurança hídrica e alimentar de dezenas de famílias.
A situação se agrava com a previsão de implantação de um gasoduto terrestre para movimentar o combustível fóssil até a usina, cujo traçado cortará áreas habitadas e ambientais sensíveis. As comunidades ao longo do gasoduto poderão enfrentar desapropriações, fragmentação de territórios, riscos de vazamentos e explosões, além de impactos indiretos à paisagem e à mobilidade.
A usina apresenta inconsistências técnicas frente à legislação ambiental vigente. Os dados das turbinas fornecidos pelo fabricante General Electric, utilizados no Estudo de Impacto Ambiental, indicam emissões de NO₂ e CO ligeiramente acima dos limites estabelecidos pela Resolução CONAMA nº 382/2006, mesmo com a adoção de tecnologia de controle (DLN – Dry Low NOx). Ou seja, mesmo no papel, a usina não cumpre plenamente os padrões de emissão, o que deveria ser suficiente para suspender seu licenciamento.
E tudo isso acontece sob a gestão de um governo que, nos palcos internacionais, promete liderar a transição energética. Em evento realizado na Suíça, durante o Fórum Econômico Brasil-Zurique, em janeiro de 2025, o governador do DF, Ibaneis Rocha, destacou seu compromisso com a sustentabilidade e a energia renovável, prometendo instalar sistemas solares em 80% dos prédios públicos e abastecer dez escolas com energia solar. Também ressaltou que o Distrito Federal é uma das unidades da federação mais avançadas em políticas de descarbonização e que continuará com essa “pegada” climática.
É difícil conciliar o discurso ambiental com a proposta de um megaprojeto fóssil que contradiz compromissos internacionais. Para piorar, o governo declarou estado de emergência ambiental no Cerrado devido aos incêndios agravados pelas mudanças climáticas. Como justificar, então, a instalação de uma usina que piora essa crise? A quem interessa esse projeto?
Certamente não às comunidades locais, que arcarão com o ônus ambiental, social e de saúde. Tampouco ao Distrito Federal, que terá sua política climática e sustentabilidade hídrica comprometida. E muito menos ao Brasil, que em breve estará sob os olhos do mundo na COP30, tentando projetar uma imagem ambiental que a realidade contradiz. O Distrito Federal deveria liderar a transição para fontes renováveis e descentralizadas mas, ao apostar em uma usina fóssil de grande porte, segue um caminho contraditório e de retrocessos. Trata-se de uma escolha entre avançar para uma matriz energética limpa, sustentável e socialmente justa, ou manter uma matriz ultrapassada que compromete o futuro.
Se o Brasil quer ser titular na luta contra a emergência climática, precisa começar acertando suas decisões dentro de casa. Licenciar a UTE Brasília é marcar um gol contra na narrativa que o próprio país pretende levar a Belém na COP30.