São apenas três ruas e mais de 400 anos de história. O distrito de Monsarás, em Salvaterra (75 km em linha reta de Belém), foi no século 17 o palco da primeira incursão dos jesuítas no arquipélago do Marajó. A comunidade seguiu pacata, com uma forte vida religiosa, e conectada à imensidão das águas do delta do rio Amazonas.
Nos últimos anos, porém, essa rotina vem sendo quebrada de forma crescente pelas mudanças climáticas. Ondas de calor, secas extremas, queda da vazão dos igarapés e o aumento dos incêndios florestais se tornaram muito mais frequentes, diz Silvio da Costa Teixeira, funcionário público que nasceu e se criou na comunidade, onde vive há 66 anos.
Monsarás tem parte de sua economia baseada no e cupuaçu, fruta que vem sofrendo os efeitos do clima - FOTO RODRIGO VARGAS / OC
“Estamos vendo o nosso rio assoreando, o nosso mar com muito vento, muito calor, principalmente este ano. No ano passado nós tivemos quatro meses de seca. Este ano ainda não completamos dois meses e o calor, o vapor, está insuportável”, diz ele.
A comunidade, que reúne menos de mil habitantes, tem sua economia baseada na pesca e nas lavouras de coco, abacaxi e cupuaçu. Este último, conta Teixeira, vem sofrendo muito os efeitos do clima mais quente e seco. “Muitos frutos secam antes de cair da árvore. Estragam antes mesmo da colheita”, lamenta.
A pesca também vive momentos de queda na produção, especialmente do camarão. “Já sentimos uma diferença muito grande. É a quentura da água que aumentou demais. Todo mundo que vive do rio já percebeu isso.”
O calor, a fumaça dos incêndios e as dificuldades de subsistência ampliam também os desafios que já eram grandes no campo da saúde. É o que conta José Luiz Souza, o Deco Souza, liderança da comunidade quilombola Deus Ajude.
Segundo ele, no novo cenário as pessoas da comunidade têm adoecido muito mais.”Muda o clima, muda o ciclo da vida, começa a ficar mais seco, e também começamos a ter períodos de inverno com enchentes maiores. Com isso, surge um acúmulo de doenças, como doenças tropicais”, relata.
O fogo, que já ocorria no verão amazônico, se agravou com as secas intensas e prolongadas dos últimos anos. “Há muito fogo e muita fumaça dentro do território. Qualquer faísca que se instala ali provoca um incêndio, e esse fogo atinge a roça dos produtores e o trabalho das outras pessoas que trabalham com roça, com extração de outros tipos de frutas e coletas dentro das nossas comunidades.”
O clima imprevisível acaba impactando a produção de alimentos tradicionais. A isso soma-se o consumo crescente de produtos industrializados, o que tem levado ao desenvolvimento de doenças que antes eram raras na região, afirma Souza: “São novos tipos de doenças que não eram vistas nesses territórios. Diabetes, hipertensão, pressão alta.”
A situação exigia uma resposta que o antigo posto de saúde da comunidade não conseguia suprir, conta ele. “Embora estejamos em Monsarás, aqui são atendidas várias outras comunidades e retiros que fazem parte deste território. Mas o antigo posto só fazia o atendimento básico. Vinha um médico uma vez por semana a cada mês, e tinha uma enfermeira que ficava trabalhando direto no posto”, conta.
E a resposta veio nesta semana, em meio à COP30, com a inauguração da primeira de seis Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Floresta que serão instaladas no Marajó. As unidades são adaptadas não apenas aos desafios logísticos da região, mas também às novas demandas impostas pela emergência climática.

Financiada pela Fundação Banco do Brasil, a iniciativa é coordenada pela organização Projeto Saúde & Alegria (PSA), em parceria com o Instituto de Estudos para Políticas Públicas de Saúde (IEPS) e a prefeitura de Salvaterra.
“A UBS da Floresta é adaptada para esses tempos de extremos climáticos cada vez mais frequentes. Temos sistemas de telemedicina com internet banda larga, que permitem fazer a notificação direta, inclusive com médicos especialistas. Isso permite equipá-la com eletrocardiograma e outros equipamentos de ponta, que demandam um especialista”, explica Caetano Scannavino, um dos coordenadores da entidade.
Há ainda sistemas de nebulização, segundo ele, para atendimento a problemas respiratórios decorrentes da fumaça das queimadas. O investimento integra um conjunto de 24 unidades implantadas ou em implantação em áreas isoladas da Amazônia (12 em Santarém, seis nos municípios de Jacareacanga e Itaituba, e seis no Marajó).
“Este modelo foi implantado inicialmente no Tapajós. Agora estamos expandindo algumas soluções e tecnologias sociais para outras regiões, e uma delas é justamente o Marajó. São regiões que de fato estão precisando de um apoio maior”, conta Scannavino.
Entre os mais de 40 equipamentos doados pelo projeto para a UBS de Monsarás, estão um aparelho de ultrassonografia, eletrocardiograma, kit de acesso à internet e um gerador de energia. A inauguração reuniu a população local, que avaliou positivamente a chegada da nova estrutura.
Maria do Rosário de Almeida, que trabalha há 35 anos como agente de saúde da comunidade, se declarou emocionada com o momento. “Fico muito feliz por, depois de todos esses anos, termos este posto de saúde bem ampliado agora para podermos dar uma saúde adequada para a nossa comunidade”, disse. (RODRIGO VARGAS)