Quilombolas do Pará cobram do Estado, junto a especialistas da Rede Energia e Comunidades, o fornecimento de energia elétrica renovável e de qualidade para pessoas que ainda estão no escuro. A “Carta-Manifesto das Comunidades Quilombolas de Abaetetuba (PA) pelo acesso digno à energia”, escrita pelos moradores, denuncia a falta de energia elétrica pública e de qualidade no estado que vai sediar a COP30.
A carta-manifesto também exige que todas as decisões sobre empreendimentos energéticos e serviços públicos respeitem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), garantindo consultas livres, prévias e informadas desde a fase de planejamento. “Nada sobre nós, sem nós”, clamam os moradores.

A precariedade energética obriga famílias a recorrer a soluções ilegais, o que aumenta riscos de acidentes domésticos e ambientais
O documento é acompanhado de uma nota técnica (“Contribuição da Rede Energia e Comunidades ao encontro de monitoramento do Programa Luz para Todos em comunidades quilombolas de Abaetetuba (PA)”) que reivindica a inclusão imediata das famílias quilombolas no programa. Com prioridade para o atendimento a escolas, postos de saúde e centros comunitários, além da garantia de justiça tarifária, com isenção de cobrança e compensações às comunidades impactadas por linhas de transmissão.
Os dois documentos resultaram do Encontro de Monitoramento e Avaliação do Programa Luz para Todos em Comunidades Quilombolas no Pará, realizado em agosto. A reunião nasceu da mobilização dos próprios moradores, que denunciam o fornecimento precário de energia, as contas de luz elevadas e a falta de orientações sobre o uso eficiente da energia e sobre os canais disponíveis para solicitações e denúncias. Entre os principais pontos debatidos estiveram o combate ao racismo energético e a defesa do acesso à energia pública, participativa e a preços justos.
Além de organizações da sociedade civil que integram a Rede Energia e Comunidades e do Movimento dos Ribeirinhos das Ilhas de Abaetetuba (Moriva), o encontro contou com a presença de representantes da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia (MME), do Ministério de Igualdade Racial (MIR) e do Ministério de Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome (MDS). Estiveram presentes, ainda, a vice-prefeita, dois vereadores e membros das secretarias de educação, obras e saúde da cidade de Abaetetuba, onde aconteceu o encontro.
Entre as principais demandas dos moradores, estão a universalização imediata do programa Luz para Todos, com cronogramas definidos e participação comunitária; revisão da taxa de iluminação pública e isenção para territórios sem serviço; mutirões de renegociação de dívidas com concessionárias; atualização do Cadastro Único (CadÚnico), para inclusão das famílias na Tarifa Social de Energia (TSEE); e investimento em sistemas de energia seguros e adequados em escolas, postos de saúde e espaços comunitários, com manutenção garantida e tecnologia adaptada à realidade amazônica.
O evento colocou em evidência também que, em muitos territórios, a precariedade energética obriga famílias a recorrer a soluções ilegais e inseguras, como ligações clandestinas, o que aumenta riscos de acidentes e comprometendo a proteção ambiental. Os moradores reforçaram que energia digna é direito e não privilégio.
As organizações anfitriãs responsáveis pela mobilização e organização foram a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos das Ilhas de Abaetetuba (Arquia), a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Ramal do Piratuba (Arquituba), e a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), todas ligadas à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq). Participaram também representantes quilombolas dos estados do Amapá, Amazonas e Rondônia, que relataram as realidades nos seus territórios como muito semelhantes às dos quilombos que realizaram a atividade no Pará.
A concessionária Equatorial Energia Pará, embora convidada a participar das atividades e prestar informações diretamente às comunidades, não compareceu. A ausência foi entendida como mais um sinal da negligência histórica diante das demandas quilombolas, que seguem enfrentando barreiras para acessar um direito básico como a energia elétrica. (Maria Helena Cunha dos Santos, Rosicleia Silva Ferreira e Vinícius Oliveira da Silva)