O setor de transporte tem um esquema de jogo pesado. Sozinho, ele é responsável por 53,3% das emissões de energia no país, segundo dados de 2023 do Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Reduzir essas emissões é fundamental para conter o avanço da crise climática — mas não será suficiente. As cidades precisam se adaptar para lidar com os impactos que já começaram a se manifestar.

Desde 2015, com o Acordo de Paris, o mundo entendeu a urgência da crise e a necessidade de ações concretas. Para contribuir de forma justa com a limitação do aquecimento global a 1,5 °C – meta já tida como difícil de ser alcançada –, o Brasil precisa reduzir em 92% suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2035, segundo o Observatório do Clima.

A adaptação climática exige a reconfiguração das cidades e a mobilidade urbana tem um papel central nesse processo

É preciso adequar as cidades para torná-las adaptáveis e capazes de lidar com os impactos inevitáveis da crise climática, que se manifestam em eventos extremos cada vez mais frequentes, afetando desproporcionalmente as populações mais vulneráveis. Em 2024, por exemplo, tivemos um recorde de desastres e uma piora nos principais indicadores climáticos.

A adaptação climática exige a reconfiguração da mobilidade nas cidades. Mais de 80% dos brasileiros vivem em áreas urbanas, sendo 58% em regiões metropolitanas. A maioria dos empregos, opções de estudo e formas de lazer estão concentradas nas áreas centrais, enquanto grande parte da população reside nas periferias e é obrigada a enfrentar diariamente horas de congestionamentos em um sistema de transporte público, caro e precário. Não à toa, assim que podem, as pessoas migram para o automóvel ou a moto, colaborando com o aumento das emissões globais e locais.

Reduzir as emissões do setor de transporte deve ser parte de uma estratégia integrada. Um estudo do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) aponta que a solução está na combinação da eletrificação do transporte público, o planejamento de cidades compactas e a substituição modal, priorizando o deslocamentos a pé, por bicicleta e por transporte público coletivo. Essa abordagem não apenas reduz emissões e melhora a qualidade do ar, mas também torna as cidades mais sustentáveis, equitativas e acessíveis.

Cidades compactas e bem planejadas melhoram a qualidade de vida da população ao reduzir a necessidade de deslocamentos longos e estimular modos de transporte sustentáveis. Sistemas eficientes de transporte público desestimulam o uso excessivo de carros e motos, diminuem o risco de mortes no trânsito e promovem ambientes urbanos mais seguros.

PARIS, BOGOTÁ E NITERÓI

Um exemplo dessa abordagem é Paris. Com o plano “Cidade de 15 Minutos”, a capital francesa vem adotando diversas medidas para tornar a cidade mais acessível e centrada na qualidade de vida da população. A proposta visa aproximar trabalho, educação, saúde, lazer e comércio das residências, permitindo que todos esses serviços sejam alcançados em até 15 minutos de caminhada ou pedalada.

No Brasil, cidades como Curitiba e São Paulo têm buscado alternativas para incentivar a mobilidade sustentável. Curitiba aposta no desenvolvimento urbano integrado ao transporte público, incentivando a concentração de população, empregos e serviços próximos aos corredores de alta capacidade. Já São Paulo adota medidas como a precificação de estacionamento, eliminando gratuidades em vias públicas para desestimular o uso excessivo do automóvel.

Também é essencial ampliar as redes cicloviárias e criar espaços seguros para pedestres. Desde a pandemia de Covid-19, Bogotá, na Colômbia, intensificou seus investimentos em ciclovias e soluções de micromobilidade, estabelecendo a meta de que, no futuro, metade das viagens na cidade seja realizada por bicicletas ou patinetes elétricos.

Niterói segue a mesma direção, com investimentos contínuos na ampliação da malha cicloviária e na integração entre diferentes modos de transporte. A cidade implementou um sistema público de compartilhamento de bicicletas, criou zonas de tráfego calmo e vem promovendo diversas políticas locais que incentivam o uso diário da bicicleta como meio de transporte. Como resultado, hoje a cidade abriga a ciclovia mais movimentada do país.

Porém, para que essas iniciativas promovam justiça climática, elas não podem se limitar às áreas centrais ou economicamente privilegiadas. Investir em infraestrutura de transporte sustentável em regiões vulneráveis reduz desigualdades históricas no acesso à mobilidade e melhora diretamente as condições de vida da população mais afetada pela crise climática e pela precariedade urbana.

A implementação de políticas públicas eficazes exige investimentos significativos e ações coordenadas entre o Governo Federal, as cidades e as regiões metropolitanas. Nesse cenário, é estratégico e urgente incluir o transporte nas negociações da COP30. A Conferência pode fortalecer compromissos nacionais mais ambiciosos, abrir caminhos para novas parcerias e destravar fontes de financiamento internacionais para acelerar mudanças que o país já precisa fazer.

Para isso, a atualização da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) precisa ser clara em apontar essas prioridades, mostrando ao mundo que o país tem um plano concreto para reduzir emissões e garantir cidades mais justas e resilientes. Como sede da COP30, o Brasil tem a chance de liderar esse debate global e mostrar que é possível construir um futuro onde a mobilidade urbana seja parte da solução climática — e não do problema.