O jogo está marcado, só falta o campo. A menos de quatro meses da COP30, as delegações dos países participantes seguem sem saber onde ficarão hospedadas. Nas últimas semanas, a presidência da COP chegou a anunciar a disponibilização de 6 mil leitos, em dois navios, com diárias de 600 a 220 dólares – esta para as delegações dos países em desenvolvimento. Não funcionou: O AGN (Grupo Africano de Negociadores) pediu uma reunião de emergência do Birô, órgão da Convenção do Clima que cuida da logística das COPs, na última terça-feira, 29, para lembrar que o orçamento diário deles é de 143 dólares.

Em meio a essa confusão, surgiu um elemento surpresa: o site cop30accomodation.com, vinculado a uma empresa chamada W&A Consular, que se propõe a encontrar vagas de hotel para o evento. Mais especificamente, 7 mil vagas – esse é o número de requisições que o site diz ter recebido até 1 de julho. Mas a falta de informações precisas e o design jurássico levantam suspeitas sobre a plataforma.

A discussão sobre acomodações se tornou tema central em um momento em que o clima e seus riscos deveriam ser o foco da COP30

A pessoa à frente da organização é William F., um homem sem sobrenome, apresentado como o fundador que “trouxe ampla experiência em Desenvolvimento da Experiência do Cliente, Treinamento e Proteção de Ativos”. Aliás, F. não não é o único da empresa a ter o sobrenome omitido na apresentação da diretoria. Para piorar, a plataforma cita ter parcerias com redes de hotelaria que dizem não ter sido procuradas pela plataforma.

A Central da COP entrou em contato com a W&A Consular em julho por WhatsApp. Em um inglês confuso, a empresa afirmou ter experiência acumulada em cinco edições da conferência do clima. “Cometemos erros e aprendemos com eles. Crescemos de 200 participantes na COP26 para 3 mil em Dubai”, disse um representante, por mensagem. “Ano após ano, mais de 15% do mercado nos procura.”

A empresa disse, por mensagem, que seus preços variam de 245 a 475 dólares por noite em locais a até 35 minutos do centro da COP – preços que são, em média, mais baixos do que os encontrados em sites como os da Booking.com ou do Airbnb. A Central da COP perguntou, então, que hotéis eram esses. A empresa afirmou ter acordos pendentes com redes como Tivoli e Radisson, além de hotéis independentes. Mas nem o Tivoli nem a Radisson confirmaram a informação.

O canal de comunicação do Radisson informou que, para o período da COP30, não tem quartos disponíveis em nenhum canal. Segundo o hotel, todas as reservas para a conferência foram centralizadas na gerência de vendas, e não há qualquer acordo com a W&A Consular. “As reservas da COP são/foram efetuadas diretamente com o hotel. Qualquer venda em plataformas que não sejam oficiais, aconselho a desconsiderar”, afirmou o atendimento.

Já o Tivoli, que ainda está construindo sua unidade em Belém e não tem previsão de abertura, disse desconhecer o site “COP 30 Accommodation” da W&A Consular. E afirmou: “Gostaríamos de reforçar que todas as reservas para as unidades Tivoli no Brasil são realizadas exclusivamente através do nosso canal direto de reservas, website oficial www.tivolihotels.com ou pela nossa equipe de vendas. Não temos qualquer parceria ou acordo em andamento com o referido site.”

O problema das acomodações em Belém vem se arrastando há meses, provocando reclamações de delegações internacionais e questionamentos sobre a capacidade da sede brasileira de receber um evento deste porte. Assim, a discussão sobre acomodações se tornou tema central em um momento em que o clima e seus riscos deveriam ser o foco, como se, em plena final de Copa, os jogadores tivessem que se preocupar com a qualidade do estádio, e não com o jogo.

Às críticas, o presidente Lula já respondeu que não pretende “maquiar” a cidade de Belém, mas apresentá-la aos estrangeiros como realmente é. “Se não tiver hotel cinco estrelas, durma num de quatro. Se não tiver de quatro, durma num de três. Se não tiver de três, durma sob a estrela do céu”, afirmou ele em passagem pelo Pará, em fevereiro.

Os riscos dessa situação, como apontam ambientalistas, são o de gerar uma COP esvaziada, sem possibilidade de acordos robustos, e sem participação ativa da sociedade civil. Se não agir rápido para resolver o impasse hoteleiro, o Brasil pode ser alvo de um pedido formal para mudar a sede da conferência – o que já aconteceu na COP25, que mudou de Santiago, no Chile, para Madri, na Espanha, a três meses do evento.