Sem patrocínio, não há jogo contra as mudanças climáticas. Para haver fair play, os países que mais emitem gases de efeito estufa – e, portanto, os maiores responsáveis pelo aquecimento global – devem assumir a liderança no financiamento climático. Cabe a eles repassar recursos para as nações em desenvolvimento, que, por sua vez, são as que mais sofrem as consequências dessas emissões. O financiamento climático precisa ser justo, garantindo tanto equidade quanto sustentabilidade. Mas, até agora, as metas estabelecidas nas Conferências das Partes (COPs) não passaram de um “treino”.
Na COP15, em Copenhague, foi fixada a meta de US$ 100 bilhões por ano, que nunca foi atingida. Já em 2024, durante a COP29, essa ambição foi revisada e ampliada. O compromisso agora é destinar ao menos US$ 300 bilhões anuais até 2035 para ações climáticas nos países em desenvolvimento.

Não é por falta de recursos que estamos perdendo o jogo climático, mas pela má distribuição e pela resistência em reformar regras injustas
Uma jogada estratégica que pode mudar o rumo do financiamento climático é a taxação dos super-ricos. Estudos apontam que um imposto mínimo global sobre grandes fortunas pode gerar recursos suficientes para financiar ações climáticas ambiciosas e necessárias. Segundo o economista francês Gabriel Zucman, um imposto de apenas 2% sobre os centimilionários poderia arrecadar entre US$ 300 e US$ 390 bilhões por ano. Já a Tax Justice Network, inspirada pelo modelo espanhol, estima que tributar os 0,5% mais ricos com alíquotas progressivas entre 1,7% e 3,5% poderia mobilizar até US$ 2,1 trilhões anualmente em todo o mundo.
Além do impacto financeiro, tributar a riqueza dos mais ricos também ajuda a combater desigualdades estruturais como o racismo e o sexismo. De modo geral, os super-ricos são homens brancos que pagam pouquíssimos impostos. Segundo estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, no Brasil, mais de 80% das pessoas com rendimento superior a R$ 50 mil mensais são homens, e 80% são brancos. Entre os super-ricos, essa proporção chega a 84%.
Um dos maiores desafios para a justiça fiscal global é o combate ao abuso fiscal praticado por multinacionais e super-ricos. Essas entidades criam múltiplos e complexos sistemas para transferir lucros e diminuir sua taxa de imposto efetivo. O último relatório da Tax Justice Network (2024) revela que os países perdem anualmente US$ 492 bilhões em impostos devido ao abuso fiscal global (US$ 348 bilhões devido ao abuso fiscal das multinacionais e US$ 145 bilhões devido ao abuso fiscal offshore por parte de indivíduos muito ricos). Os países do Sul Global são os mais afetados porque esses mecanismos não apenas concentram ainda mais riqueza e poder nas mãos dos mais ricos, como também reduzem significativamente o orçamento público disponível para garantir direitos humanos e combater as mudanças climáticas.
Os incentivos fiscais, ou gastos tributários, são benefícios concedidos por meio de um tratamento fiscal preferencial que representam uma perda de receita pública em escala global. Segundo dados recentes do GTED (Global Tax Expenditure Database), essa redução equivale, em média, a 3,8% do PIB mundial ou 23% das receitas fiscais em nível mundial. Isso corresponde a US$ 3,8 trilhões por ano, uma vez que o PIB mundial ascendeu a US$ 101 trilhões em 2022, de acordo com o Banco Mundial.
A eliminação progressiva desses incentivos fiscais ineficazes é fundamental. Eles reduzem a capacidade de investimento público e, muitas vezes, não há evidências de que de fato estimulem o crescimento econômico inclusivo. Pelo contrário, em muitos casos, acabam por aprofundar desigualdades, acelerar a crise climática e violar direitos fundamentais, como o acesso à alimentação adequada. Um exemplo flagrante são os subsídios aos combustíveis fósseis – os maiores contribuintes para a crise climática. De acordo com o think tank IISD (International Institute for Sustainable Development), o apoio governamental aos combustíveis fósseis atingiu pelo menos US$ 1,5 trilhão em 2023. No Brasil, estes recursos somaram R$ 81,74 bilhões no mesmo ano, segundo levantamento do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Não é por falta de recursos que estamos perdendo o jogo climático, mas pela má distribuição deles e pela resistência em reformar regras injustas, tanto em âmbito nacional quanto internacional. Sistemas tributários progressivos e inclusivos são ferramentas poderosas no combate às desigualdades. Ao obrigar quem tem mais a contribuir mais, eles promovem coesão social e uma distribuição mais justa da renda e da riqueza. É preciso acertar essa barreira tarifária.