Na semana em que se celebra o Dia Internacional das Mulheres, a presidência brasileira da COP30 lança sua primeira carta, convocando a comunidade internacional para um grande ‘mutirão global’ de enfrentamento das mudanças climáticas, destacando as desigualdades estruturais de gênero, raça e etnia. Em um mundo onde o multilateralismo está em xeque, o país do futebol convoca as demais nações para entrar em campo e mudar o curso da próxima década. Utilizando jargões futebolísticos, o documento afirma que “podemos vencer de virada” e “lutar para virar o jogo quando a derrota parece quase certa”.
Foi um gol importante, mas ainda há muito que avançar se quisermos ganhar esse campeonato da sobrevivência e manter o aquecimento do planeta abaixo de 2oC. O texto da carta reconhece – ainda que de forma exageradamente discreta – a necessidade de realizar transições justas com igualdade racial, de gênero e etnia, mas aborda de maneira superficial o debate sobre combustíveis fósseis. Sinal dos tempos, já que as tentativas para operacionalizar o Programa de Trabalho de Transição Justa na última COP no Azerbaijão foram frustradas e o Brasil vive, paralelamente, o dilema de explorar petróleo na Margem Equatorial, na Foz do Amazonas, no contexto de uma das maiores crises geopolíticas globais desde a Guerra Fria.

No ano passado, na COP de Baku, os países concordaram em desenvolver um novo plano de ação de gênero, a ser aprimorado ao longo de 2025 e aprovado pelos países na COP 30
O documento menciona ainda a oportunidade de aproveitar os legados das presidências latino-americanas anteriores da COP para produzir avanços na agenda de gênero e clima. Isso porque a COP 20, realizada no Peru em 2014, inaugurou o Programa de Trabalho de Lima sobre Gênero, para promover a participação equilibrada de mulheres na governança climática global e integrar políticas climáticas sensíveis ao gênero no Acordo de Paris e na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima.
No ano passado, na COP 29 em Baku, os países concordaram em desenvolver um novo plano de ação de gênero, a ser aprimorado ao longo de 2025 e aprovado pelos países na COP 30. Não será uma tarefa simples em um mundo atravessado por retrocessos nos direitos das mulheres e pelo avanço do conservadorismo, do militarismo e do negacionismo climático.
Dentre as demandas apresentadas pelo Constituinte de Mulheres e Gênero na COP, consta o redirecionamento dos investimentos em gastos militares e em combustíveis fósseis para uma ação climática ambiciosa. Estima-se que, até 2030, serão necessários US$ 2,4 trilhões para financiar a transição energética justa nos países em desenvolvimento, realizar adaptação aos impactos da mudança do clima, reparar as perdas e danos já existentes e preservar a natureza. Parece muito, mas não é nada quando lembramos que só no ano de 2023, os gastos militares globais superaram os US$ 2,4 trilhões. Ou seja: o dinheiro existe, o problema está em quem decide quais são as prioridades.
Vale a pena esmiuçar um pouco mais esse quadro. O gasto militar de 2023 representou o nono aumento anual consecutivo, segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz em Estocolmo (SIPRI). Essa mesma instituição evidencia que os grupos militares respondem por 5,5% das emissões de gases de efeito estufa do planeta. Se fossem um país, seriam o quarto maior emissor, somente atrás da China, Estados Unidos e Índia, e à frente de nações como Rússia, Brasil e Japão. Nos EUA, o setor militar é o maior emissor de gases de efeito estufa, superando até o setor de energia. Como os países não são obrigados a reportar os dados de suas emissões militares no balanço global de emissões, os cálculos são feitos com base em outras fontes.
Na atual conjuntura, o esquema tático brasileiro será bem-sucedido se conseguir evitar uma goleada. Em favor do Brasil, conta a existência de um time de profissionais tecnicamente competentes e politicamente habilidosos para defender o regime multilateral do clima. No futebol, nossa artilharia já conta com craques como Formiga, Sissi, Cristiane, Pretinha e Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo pela FIFA. Mas o time que mais importa, neste ano, jogará fora dos gramados, nas salas de conferência em Belém. A torcida feminina está de olho para que os direitos das mulheres sejam de fato priorizados e para que as jogadoras tenham o devido reconhecimento pelo trabalho realizado em favor da vida no planeta.
…
Michelle Ferreti, Marina Barros e Tauá Pires são diretoras do Instituto Alziras