Costumamos ver os craques quando já estão brilhando, fazendo gols pelos times grandes, tendo o nome gritado nos estádios. São poucas as chances de conhecê-los no trabalho de base, nos jogos de várzeas. O debate climático é parecido: costumamos ver o quadro pronto, o campeonato principal, a troca de bola de país para país, de uma COP para outra. Mas o que ocorre quando o time não está em campo, sob os holofotes? 

A mudança do uso do solo e florestas é a principal causa de emissões do Brasil – 46,3% do total em 2023, segundo dados do SEEG. Nos bastidores, sabemos que muitas dessas áreas que antes eram florestas estão sendo transformadas em pastagens, principalmente na Amazônia. A pergunta que fica é: até quando a produção pecuária vai permitir ser usada de fachada para a grilagem, para a invasão de territórios e para o desmatamento ilegal? 

O governo federal lançou em dezembro o Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB), construído com o setor privado e associações do setor, pata ter todo o rebanho identificado até 2032

O mercado dos frigoríficos é um campeonato de várzea sem VAR. Hoje, diante das cobranças da sociedade civil, até temos informações dos frigoríficos sobre a procedência dos animais. Mas só isso não basta para virar o jogo. Os estabelecimentos afirmam que os animais adquiridos vêm de fazendas ilibadas, sem problemas socioambientais, e assim os bois e vacas vão passando de fazenda em fazenda a cada fase de engorda, com tantos passes, que não se percebe quando alguém comete uma falta.

Os produtores garantem que o “boi não morre de velho na Amazônia”. Ele sempre vai ser aproveitado pelo mercado. É aí que acontece a triangulação de fazendas, quando um produtor ou fazenda com problemas socioambientais muda, de forma ilícita, o registro do local de origem da carne.  

Mas o jogo poderia ser diferente. Dados do Grupo de Trabalho sobre Fornecedores Indiretos (GTFI) indicam que, se voltássemos apenas um passo na cadeia produtiva da carne – ou seja, observando a fazenda que faz a venda dos animais para a última fazenda antes do frigorífico -, já seria possível mapear 80% do desmatamento associado ao setor. No momento em que estamos recebendo a principal Conferência do Clima em nossa casa, será um gol contra anunciar que certos critérios ambientais não são considerados. 

O Governo Federal lançou em dezembro o Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB), construído com o setor privado e associações do setor. O objetivo é ter todo o rebanho identificado individualmente até 2032, mas com enfoque somente em informações sanitárias, deixando em segundo plano o monitoramento de critérios socioambientais. As soluções de rastreabilidade individual estão recebendo o apoio e o investimento de empresas, governos, organizações nacionais e internacionais. Elas possibilitam o monitoramento e a aplicação de regras que contemplem uma cadeia produtiva livre de desmatamento.  

Mas o fim da grilagem e o desmatamento da sua cadeia produtiva não bastam como solução. É preciso continuar investindo em tecnologias e boas práticas para reduzir e mitigar as emissões, incorporando tecnologias antigas como a Lavoura-Pecuária-Floresta (LPF) e novos protocolos como de Carne Baixo Carbono e Carne Carbono Zero. A produção agropecuária tem sua própria emissão, ocupando o segundo lugar nos índices nacionais, sendo responsável por 27,5% das emissões no país.

No campeonato da cadeia da pecuária, as regras ainda não são claras, o impedimento é confuso e as linhas da grande área são sempre alteradas. Mas hoje já temos tecnologia suficiente para registrar e resolver esses problemas. Por ora, do jeito que está, a seleção brasileira da carne periga nem ir para a Copa do Mundo do mercado europeu. (ALDREY RIECHEL e MAURO ARMELIN)