O Brasil é um dos maiores produtores de alimento do planeta. Por isso, deveria aproveitar a oportunidade como país-sede da COP30 para se afirmar como uma liderança climática em várias frentes, inclusive na agenda da alimentação. Em um cenário de aquecimento global, onde a perda de biodiversidade e a insegurança alimentar avançam, a conexão entre sistemas alimentares e clima precisa ocupar o centro da agenda climática brasileira.

O país tem autoridade para liderar essa discussão, afinal, conta com boas políticas públicas de segurança alimentar e um governo que tem o combate à fome como prioridade. Mas transformar a cadeia alimentar é um grande desafio. Hoje, cerca de 74% das emissões nacionais vêm dos sistemas alimentares, incluindo a produção agropecuária e o desmatamento, que ocorre para a expansão desse setor. A média mundial, em comparação, é de aproximadamente 30%.

Cooperativas próximas a Belém têm capacidade de abastecer a COP com frutas, hortaliças, castanhas, farinhas e peixes, o que pode gerar até R$ 5,5 milhões para a produção local

A conexão entre clima e o que chega ao prato ainda é pouco percebida pela população, o que envolve debates mais amplos sobre a concentração de terra, a monocultura, o uso de agrotóxicos, a monotonia alimentar, o transporte de longa distância e o desperdício. Essas aspectos afetam não só as emissões, mas também a saúde, as desigualdades e a proteção aos ecossistemas. Mesmo nas COPs, a alimentação historicamente teve pouco espaço, só ganhando dia temático a partir de 2022 na COP27 – que, ironicamente, foi patrocinada pela Coca-Cola, uma marca de refrigerantes. 

Nesse contexto, vale mencionar aqui uma iniciativa recente chamada “Na Mesa da COP30”. Sob coordenação do Instituto Regenera e do Instituto Comida do Amanhã, ela reúne organizações da sociedade civil para colocar a alimentação no centro da conferência, tanto nos debates quanto nos alimentos servidos. A proposta é priorizar produtos da agricultura familiar, da agroecologia e, claro, da sociobiodiversidade amazônica.

Mapeamentos mostram que cooperativas próximas a Belém têm capacidade de abastecer o evento com frutas, hortaliças, castanhas, farinhas e pescados responsáveis. A iniciativa pode gerar até R$ 5,5 milhões para a produção local — valor superior ao total repassado anualmente pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar ao município. Isso ajudaria a impulsiona a economia e a valorizar as formas de produção que conservam a floresta.

A proposta é que os cardápios sigam os princípios do Guia Alimentar para a População Brasileira e priorizem alimentos in natura e minimamente processados que respeitam a cultura alimentar local. Feita em diálogo com ministérios federais, a demanda é endossada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e o Centro de Excelência contra a Fome da ONU. A expectativa é que a experiência influencie políticas públicas em todo o país, mostrando que sistemas alimentares podem ser aliados da justiça climática.

Para além da COP30, a iniciativa articula com o poder público e o setor privado para que a logística e a base produtiva mapeadas permaneçam abastecendo a região de Belém após o evento, consolidando arranjos locais e valorizando a produção familiar e agroecológica. Ao assumir esse compromisso, o Brasil envia ao mundo a mensagem de que é possível pensar políticas climáticas baseadas na produção local, respeitando os biomas e valorizando quem cuida da terra. O prato se torna espaço político e ponto de partida para futuros mais justos e sustentáveis. Não haverá transformação efetiva sem mudar a forma de plantar, colher, preparar e distribuir alimentos.