O Ibama indeferiu a licença prévia para a construção da Usina Termelétrica a Gás Natural Fóssil (UTE) Brasília, projeto com capacidade de 1.470 MW proposto pela empresa Termo Norte Energia Ltda. A decisão foi tomada com base no parecer técnico nº 132/2025-Coert/CGTef/Dilic que reconhece a inviabilidade ambiental e locacional do empreendimento. O projeto é criticado por ambientalistas, parlamentares e pela comunidade da Escola Classe Guariroba, a qual estava em risco de ser removida para a instalação da usina na Região.

Para Juliano Bueno, diretor técnico do Instituto Internacional ARAYARA, doutor em Urgências e Emergências Ambientais e conselheiro do CONAMA, o indeferimento representa uma vitória decisiva para impedir o que seria “um crime ambiental e social sem precedentes no Distrito Federal”. Segundo ele, a decisão do Ibama inviabiliza também quatro outras termelétricas — UTE Brasília, UTE Bonfinópolis, UTE Centro-Oeste e UTE Brasil Central — cujas áreas somadas ultrapassariam 2 mil hectares, o equivalente a cerca de 2 mil campos de futebol.

Em 2024, o Distrito Federal enfrentou a pior crise hídrica dos últimos 50 anos, o que tornava o projeto ainda mais inadequado

Todos esses empreendimentos fósseis estão vinculados ao Gasoduto Brasil Central (TGBC), com mais de 900 quilômetros de extensão, projetado para conectar São Carlos (SP) a Brasília (DF) e fornecer gás às usinas. No entanto, o licenciamento do gasoduto está vencido há mais de seis anos, conforme reconheceu o próprio Ibama no parecer que indeferiu a licença prévia da UTE Brasília. Bueno destaca que as emissões destas quatro termelétricas somam mais de 12 milhões de toneladas tCO2e (CO₂ equivalente) caracterizando uma “Carbon Bomb”, ou seja, elas apresentam um grande risco ao cerrados e às comunidades em seus entornos pela contaminação e acidificação do ambiente, a piora significativa da qualidade do ar.

A demolição da Escola Classe Guariroba representa um dos direitos ameaçados pelo projeto da UTE Brasília, o direito à educação. A instituição atende cerca de 568 estudantes em situação de vulnerabilidade social. Outro em posição comprometida era o direito a um meio ambiente equilibrado, vítima da supressão de mais de 31,91 hectares de vegetação nativa do Cerrado, da captação de 110 m³/h de água bruta e do lançamento de 104 m³/h de efluentes no rio Melchior. Além disso, o direito à saúde e à qualidade do ar seriam ameaçados também, já que a operação da usina geraria cerca de 4,7 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, agravando a poluição atmosférica e elevando os riscos de doenças respiratórias na capital federal, que já passa por uma alta taxa de precarização na saúde de sua população advindas de doenças respiratórias.

O gerente de Transição Energética da ARAYARA, John Wurdig, atribui o indeferimento à mobilização popular. “O Ibama tomou esta decisão técnica graças à pressão das comunidades de Ceilândia, Samambaia e Sol Nascente”, afirma. Ele relembra que, em 17 de junho de 2025, mais de 400 pessoas lotaram o Centro Cultural de Samambaia, protestando contra a UTE Brasília e entoando “Xô Termelétrica!”, o que levou à suspensão
da audiência pública.

Segundo Wurdig, essa foi “a maior mobilização comunitária do Distrito Federal contra um empreendimento fóssil”. Organizada pelo Instituto Internacional ARAYARA, pelo Movimento Salve o Rio Melchior, pelo Fórum das Águas, pelo Observatório do Petróleo e Gás e pelas famílias da Escola Classe Guariroba, com apoio de parlamentares locais e federais e demais entidades socioambientais do Distrito Federal. “Ao longo de 11 meses, mais de 100 eventos foram realizados, mobilizando milhares de pessoas de todas as unidades administrativas do Distrito Federal”, celebra.

Ele explica que, conforme a documentação apresentada pela Termo Norte Energia no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da UTE Brasília, a empresa enviou um ofício à Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) solicitando uma reunião para discutir a possível remoção da Escola Classe Guariroba. No documento, a companhia informa que o projeto da usina a gás natural tinha como objetivo participar do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP), inicialmente previsto para 2025. Com o indeferimento, porém, a empresa pretendia disputar o leilão seguinte, em 2026 — o que agora fica inviável, já que o indeferimento da licença prévia impede sua participação.

Desde março de 2025, a campanha #XôTermelétrica mobiliza a população do Distrito Federal contra a UTE Brasília, projetada para operar a gás natural com 1.470 MW em área sensível próxima ao rio Melchior, já degradado e classificado como Classe IV. Estudos do OPG e ARAYARA apontaram que a outorga concedida pela ADASA à UTE Brasília baseou-se em um parecer técnico elaborado a partir de estudos hidrológicos de 2012, portanto desatualizado em relação às condições atuais da bacia hidrográfica e às exigências legais vigentes.

A organização ressalta que, em 2024, o Distrito Federal enfrentou a pior crise hídrica dos últimos 50 anos, o que torna o parecer ainda mais inadequado. Além disso, a usina figurava entre as beneficiadas pelos chamados “jabutis” inseridos no PL 576/2021, que previa incentivos à termelétricas incluídas na Lei da Privatização da Eletrobras — dispositivos que foram posteriormente vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sanção da Lei nº 15.097/2025.

A primeira audiência pública, marcada para 12 de março de 2025, foi adiada pela 9ª Vara Federal Cível do DF, atendendo a mandado da ARAYARA, devido a falhas na divulgação e ao curto prazo de notificação, prejudicando a participação da população afetada. Em junho, a segunda audiência foi suspensa pelo Ibama após intensa mobilização popular, reforçando a fragilidade do processo de licenciamento.

O diretor da ARAYARA reforça que a UTE Brasília não representa apenas risco ambiental, mas também um modelo de racismo ambiental e racismo energético com injustiça socioambiental, atingindo populações vulneráveis ( 600.000 pessoas diretamente afetadas) e agravando a crise hídrica histórica da região, que registrou 167 dias sem chuva em 2024.

“Instalar uma termelétrica às margens de um rio degradado, demolindo uma escola pública para a queima de gás, gerando uma energia cara para os consumidores é um retrato claro de racismo institucionalizado. Parabenizamos os mais de 1.000.000 milhão de moradores de Brasília e DF que se mobilizaram em petições, os milhares que estiveram nas audiências e centenas de oficinas realizadas, bem como o compromisso técnico dos técnicos do IBAMA e de seu presidente que garantiram a saúde ambiental da população do DF.

Seguiremos nos mobilizando contra retrocessos em nome de uma “falsa modernização energética”, conclui Bueno, que também é conselheiro do Fórum Nacional de Transição Energética (FONTE).