Dois anos depois de Nairóbi ter dado o tom no primeiro Cúpula do Clima da África, o continente volta a se reunir em Adis Abeba em um processo que integra dois momentos decisivos: a Semana do Clima da ONU na África (1º a 6 de setembro) e a segunda edição da Cúpula do Clima da África (ACS2), de 8 a 10 de setembro de 2025, com a presença esperada de mais de 45 chefes de Estado. Juntas, essas agendas posicionam a África como voz central na governança climática global, em um contexto de calor recorde e choques climáticos crescentes. A expectativa é que, no encerramento da Cúpula, em 10 de setembro, seja adotada a Declaração de Adis Abeba.

Líderes africanos afirmam que o continente se apresenta com uma ambição clara: liderar, inovar e exigir uma parcela justa da resposta global ao clima. Da sociedade civil às comunidades locais, há pressão por uma agenda que leve resiliência onde ela é mais necessária, promova energias renováveis e garanta financiamento sem agravar dívidas e assegure soluções justas, feitas com e para a África.

Esquema tático ambicioso: a África quer pode ampliar o uso de energias renováveis de 56 GW em 2022 para 300 GW até 2030

De Baku a Adis Abeba, e a caminho de Belém, a mensagem africana está se unificando: uma nova ordem financeira deve reconhecer a dívida climática, reformar o sistema global e assegurar que o crescimento africano seja verde, justo e centrado nas pessoas.

Na Cúpula inaugural de 2023, líderes africanos encerraram os trabalhos com a Declaração de Nairóbi, um chamado de 11 pontos que deu à África uma voz climática unificada. Dois anos depois, a pergunta é: quanto daquela ambição se traduziu em ação? No primeiro dia da ACS2, em 8 de setembro, o Quênia deve apresentar um balanço desse processo, estabelecendo as bases para que os líderes avaliem os avanços da Declaração, reforcem compromissos e destaquem soluções capazes de transformar vulnerabilidades climáticas em motores de resiliência e crescimento. Esse exercício de “stocktake” também dialoga com os debates e recomendações trazidos pela Semana do Clima, que servirá de palco preparatório para a Cúpula.

Quando os líderes se reunirem em Adis Abeba para a ACS2, a energia estará no centro da agenda. A ambição é clara: ampliar a capacidade de energias renováveis de 56 GW em 2022 para ao menos 300 GW até 2030. E o horizonte de longo prazo é ainda mais impressionante: alcançar um sistema totalmente renovável no continente até 2050 — técnica e economicamente viável, mais barato do que o caminho fóssil e capaz de gerar uma economia de US$ 150 bilhões por ano.

O paradoxo é gritante. A África concentra 60% do potencial solar do mundo, reservas abundantes de minerais críticos e 39% do potencial global de renováveis, mas continua recebendo apenas 2% do investimento mundial e segue cronicamente sub-atendida em energia. A transição para energias limpas poderia virar esse jogo: atender à demanda crescente, reduzir emissões e, ao mesmo tempo, criar milhões de empregos. Caminhar para 100% de renováveis pode gerar 2,2 milhões de novos postos de trabalho no setor energético e dar ao continente um papel decisivo na configuração do futuro energético global.

Os números mostram a urgência e a oportunidade. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a África poderia quadruplicar o tamanho da sua economia até 2040 consumindo apenas 50% a mais de energia — se souber aproveitar seus vastos recursos renováveis. Como o continente tem pouca infraestrutura fóssil a ser desmantelada, está em posição privilegiada para conduzir uma transição energética justa, desde que políticas e investimentos adequados sejam implementados. Esse debate foi preparado ao longo da Semana do Clima e terá desfecho político na ACS2.

O financiamento será decisivo. Observadores estarão atentos para ver se mecanismos como financiamento concessional, instrumentos de redução de riscos, reformas nos bancos multilaterais e esforços para reduzir o alto custo do capital conseguirão atrair investimentos privados em escala. Sem essas medidas, a meta de 300 GW pode continuar no campo das aspirações. Mas, com estruturas de financiamento justas e inovadoras, o continente pode acelerar uma transição que beneficia a África e o mundo.

Exemplos já existem. A liderança do Quênia em energia geotérmica é um caso concreto do que é possível. Com o financiamento adequado, modelos assim poderiam ser replicados em todo o continente.

A Declaração de Nairóbi capturou esse potencial, pedindo a expansão das renováveis para enfrentar os desafios de acesso, impulsionar a industrialização e ancorar a agenda de desenvolvimento da África. A integração entre a Semana do Clima e a ACS2 chega agora como momento de balanço e aceleração — uma chance de mostrar se o mundo está pronto para corresponder à ambição africana com as parcerias e os recursos necessários para entregar um futuro 100% renovável.