A arquibancada estará lotada para acompanhar a estreia do Pará na COP30. Para Belém, esta é a oportunidade de mostrar que a região Norte, apesar dos enormes desafios, tem condições de sediar eventos desse porte. E para o Brasil, é a chance de mostrar que estamos prontos para liderar a transição climática global. Mas nenhum time vence ignorando erros e, muito menos, cometendo faltas graves dentro da própria área.

Belo Monte é o cartão vermelho que o Brasil insiste em ignorar. A construção da hidrelétrica na bacia do rio Xingu viola direitos fundamentais das comunidades que vivem na região e dependem dos recursos hídricos para a sua sobrevivência. O projeto desrespeitou os direitos dos povos indígenas, expulsou comunidades ribeirinhas dos seus territórios tradicionais, prejudicou modos de vida e deixou um rastro de injustiça social e ambiental. 

Indígenas e ribeirinhos da região enfrentam insegurança alimentar enquanto o Brasil se apresenta como "capitão" da partida ambiental

A usina de Belo Monte é apresentada pelo governo brasileiro como fonte de “energia limpa” sob o argumento de que não há queima direta de combustíveis fósseis. Porém, essa narrativa entra em contradição diante dos significativos impactos socioambientais associados: a construção da barragem alterou o fluxo do Rio Xingu, afetou ecossistemas aquáticos, provocou perda de biodiversidade e comprometeu a pesca tradicional, essencial para a subsistência das comunidades indígenas e ribeirinhas. Esses impactos também têm causado o enfraquecimento de laços culturais e tradicionais ligados ao uso pleno do rio como meio de sobrevivência e convivência.

Antes de começarem as obras da usina, não foi realizada a devida Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) com os povos e comunidades tradicionais que seriam afetadas pelo projeto – um direito fundamental reconhecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Também não foi garantida pelo Estado brasileiro nem pela Norte Energia, empresa responsável pelo projeto, a compensação e indenização pelos danos causados ao meio ambiente e às comunidades.

Dez anos depois, esses impactos seguem se intensificando e os responsáveis continuam impunes. As comunidades indígenas e ribeirinhas da região enfrentam problemas graves de acesso à água, insegurança alimentar, saúde precária e casos de violência no campo.

Apesar dos amplos registros de impactos negativos decorrentes da construção e operação de Belo Monte, o Brasil ainda não apresentou soluções concretas e eficazes para lidar com os danos causados à vida das populações atingidas e aos ecossistemas da região. Mais do que a ausência de medidas reparatórias, o que se observa é a falta de reconhecimento oficial, por parte do Estado, da gravidade desses problemas e de suas responsabilidades. A falta de responsabilização e reparação fortalece a repetição de práticas que violam direitos humanos em nome de falsas soluções climáticas.

Enquanto o país se apresenta ao mundo como ‘o capitão da partida’ e líder ambiental, é preciso lembrar que não existe transição energética justa sem justiça socioambiental. Não é possível avançar sem reconhecer e reparar as violações cometidas em nome de políticas que, na prática, têm sacrificado a vida e a integridade dos povos da floresta. Enquanto não houver justiça para os povos do Xingu, não haverá justiça climática possível no Brasil. (ERINA BATISTA GOMES E DANIELLA ALVES BRUM)