A cada avanço no Congresso Nacional de projetos que enfraquecem a legislação ambiental, cresce a preocupação de lideranças indígenas e defensores das florestas. Entre essas propostas, o Projeto de Lei (PL) 2159/2021, conhecido como PL da Devastação, representa uma das maiores ameaças à proteção dos territórios e aos modos de vida dos povos indígenas.
O projeto foi aprovado em maio no Senado Federal, com um texto ainda mais nocivo do que aquele que havia chegado à casa em 2021, e deve ser referendado hoje pela Câmara dos Deputados presidida por Hugo Motta (Republicanos-PB). O PL, como se sabe, propõe mudanças profundas no licenciamento ambiental, eliminando a exigência de estudos técnicos e abrindo um caminho desenfreado para a instalação de empreendimentos de grande impacto – como hidrelétricas, estradas, portos, mineração e agronegócio – mesmo em áreas sensíveis como terras indígenas, reservas extrativistas e outras unidades de conservação. Além disso, a proposta enfraquece a atuação de órgãos como a Funai, o Instituto Chico Mendes e o Ibama, responsáveis por proteger os direitos dos povos indígenas e o meio ambiente.

Se aprovado hoje pela Câmara dos Deputados sob a presidência de Hugo Motta, o PL 2.159 enfraquecerá a legislação ambiental, potencializando o aumento de queimadas
Para o cacique Urukã Nukini, também conhecido como Paulo Almeida, liderança da TI Nukini no Acre, a aprovação do PL é uma ameaça direta à vida dos povos da floresta. “Esse PL ameaça nosso Acre, nossos rios, nossas florestas e nossos direitos humanos. É uma desconsideração com a vida dos povos indígenas e tradicionais”, diz. Além de colocar em risco a biodiversidade da região, a proposta afeta diretamente o futuro das comunidades que vivem em harmonia com a floresta: “Tira nossa tranquilidade, nossa autonomia e ameaça nossa cultura e espiritualidade.”
Todos os três senadores que representam o estado do Acre – Alan Rick (União Brasil), Sérgio Petecão (PSD) e Márcio Bittar (União Brasil) – votaram em maio a favor do PL da Devastação. Eles não apenas aprovaram, mas tornaram ainda pior a redação do PL 2159/2021, pela expansão do autolicenciamento e da isenção agropecuária, por exemplo. É de se esperar que a maior parte dos deputados do Acre siga pelo mesmo caminho, infelizmente.
A decisão gerou forte reação entre lideranças indígenas e socioambientais, que consideram a postura dos parlamentares incoerente com a realidade de um estado que concentra uma das maiores riquezas naturais do país e abriga dezenas de povos indígenas. “O projeto teve o voto dos três senadores acreanos, e aí que vemos que não temos defensores dos povos indígenas e da Amazônia”, afirma a artesã Cristina Huni Kuĩ, da Terra Indígena Kaxinawá da Praia do Carapanã.
A proposta legislativa não é um lance isolado. Ela faz parte de uma ofensiva de diversos projetos que, somados, representam um grave retrocesso nos direitos socioambientais. Entre eles estão a PEC 48/2023, conhecida como “PEC do Marco Temporal”, que tenta restringir o direito à terra dos povos indígenas ao que ocupavam até a promulgação da Constituição de 1988; a PEC 59/2023, que propõe transferir do Poder Executivo para o Congresso Nacional a responsabilidade pela demarcação de Terras Indígenas; e o PDL 717/2024, que tenta suspender a homologação de duas terras indígenas em Santa Catarina, repercutindo no processo de regulamentação dos territórios de todo país. O Congresso Nacional também tem debatido alterações no Novo Código Florestal que aumentariam o limite de desmatamento e perdoariam infrações ambientais, além da tentativa de criminalizar movimentos sociais que lutam pela conversação ambiental e por justiça social.
O agente agroflorestal indígena Manoel Sabóia, da Terra Indígena Kaxinawá do Rio Humaitá, expressou sua indignação quanto a tantos retrocessos: “Estou preocupado com a nossa Amazônia – como vai ficar futuramente com essa mudança de lei, que vai afetar a nossa terra indígena e a população brasileira e toda população amazônica? Estou falando aqui como professor, como alguém que mora na zona rural, como pessoa da floresta – preocupado com a nossa Amazônia, com o que pode acontecer. A mudança climática vai afetar tudo!”.
Os povos indígenas no Acre estão atentos aos agentes políticos que defendem interesses contrários a manutenção da vida nas florestas. Não se trata apenas de proteger árvores e rios, mas de garantir a continuidade da vida, da cultura e da dignidade de povos que há séculos cuidam desses territórios. É preciso atenção e mobilização para cobrar dos parlamentares compromisso ambiental, e impedir o avanço do PL da Devastação e de outras medidas que destroem a legislação ambiental e aprofundam os impactos das mudanças climáticas.
“Tiram nossa tranquilidade, a nossa autonomia, ameaçam a nossa cultura e a nossa espiritualidade. É como devastar também o que somos, nossos sonhos, nossos direitos”, finaliza Urukã Nukini.