“Recordar é viver… Baku acabou com você.” Sim, esse grito da torcida não existe, mas bem poderia ter sido mote da COP29, ocorrida no ano passado em Baku, capital do Azerbaijão. Para quem não se lembra, a conferência terminou com um clima péssimo, depois que os países em desenvolvimento propuseram debater, com o países ricos, quem pagaria a conta da transição justa. Sem um acordo que contentasse os dois lados, o impasse ficou adiado para a COP 30, que vai acontecer em novembro, em Belém.

Pois bem, por iniciativa da Bolívia, o tema voltou a ser discutido agora em Bonn, na Alemanha, durante a reunião preparatória da COP 30, que começou no dia 16 e vai até 27 de junho. O resultado? Mais um zero a zero – que no estado atual de emergência climática, com o mundo já 1,5ºC mais quente, soa tão ruim quanto um 7 a 1.

A divisão entre norte e sul global, explicitada nas bandeiras da bola, é também a divisão entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento: briga para saber quem paga a conta

O impasse, que não é de hoje, se arrasta desde que se realizou a Eco-92 no Rio de Janeiro, quando foi aprovada a criação da Convenção do Clima. Ali, os embates giraram em torno da definição do Capítulo 33 da Agenda 21, que trata dos meios de implementação dos compromissos assinados. O cardápio das iniciativas inclui desde recuperar o que foi desmatado até aumentar a oferta de transporte público, como trem e metrô, criando incentivos para a redução do uso dos carros nas grandes cidades. E claro, isso precisa andar junto com a busca dos substitutos para o uso dos combustíveis fósseis, a causa central de todo o problema.

À época, o Secretariado da Eco-92 estimou que essa implementação pelos países em desenvolvimento teria o custo anual de US$ 600 bilhões, dos quais US$ 125 bilhões seriam financiados pelos países desenvolvidos. Como o dinheiro nunca chegou, a conta não parou de subir. Hoje, somente para bancar a implementação da Convenção do Clima, o valor já bateu US$ 1,3 trilhão por ano. E segue sem ter quem banque.

É bom registrar que o Capítulo 33 da Agenda 21 já alertava que o custo da inação podia superar o custo financeiro da implementação dos compromissos assumidos na Eco-92, limitando as “opções das gerações futuras. Foi o que infelizmente aconteceu, visto que o problema da mudança climática só se agravou nos últimos 33 anos.

O embaixador Rubens Ricupero, que conduziu as negociações sobre finanças na Eco-92, disse que foi muito difícil conciliar os interesses dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, tendo em vista o contexto da época, quando Canadá e Reino Unido enfrentavam graves restrições financeiras e “ainda se falava em países em transição para uma economia de mercado” (as frases que cito do embaixador são do artigo “História de uma negociação: o capítulo financeiro da Agenda 21 durante a Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento“, publicado por ele em 2012).

Vale lembrar o que hoje está quase esquecido: a União Soviética deixou de existir em 26 de dezembro de 1991, seis meses antes da realização da Eco-92. O desmantelamento marcou o fim da guerra fria, afastando a ameaça de um conflito nuclear com os Estados Unidos, o que levou a Eco-92 a acontecer debaixo de uma atmosfera inédita de otimismo.

Para Ricupero, a Eco-92 representou o “ponto mais alto atingido antes e depois pelas negociações sobre meio ambiente”, o que não impediu o embaixador de fazer a ressalva sobre a “fraqueza dos compromissos financeiros” assumidos no Rio de Janeiro. Se o dinheiro não chegou para os países em desenvolvimento quando as coisas pareciam que iam bem, vale perguntar o que poderá acontecer quando o mundo mergulha em uma onda de pessimismo como não se via desde 1992.

O CLIMA NA NOVA ORDEM MUNDIAL

Em primeiro lugar, existe a incerteza econômica e a perda de confiança advinda do tarifaço de Trump, que abalou o funcionamento da economia de mercado. Em segundo lugar, há uma grande apreensão quanto à manutenção do período de relativa paz vivido desde o fim da 2ª Guerra diante do vale-tudo entre os países, deixando a ordem mundial em frangalhos. A eclosão do conflito entre Irã e Israel, agora com o envolvimento dos Estados Unidos, e a continuidade da guerra entre Rússia e Ucrânia são a prova disso.

Esse quadro de instabilidade que parecia ter ficado para trás com o fim da Guerra Fria tem como consequência o aumento dos gastos militares. Não é à toa que os países europeus passaram a falar em gastar mais com armamentos desde o início do ano.

Em terceiro lugar, em face de problemas como o da crise migratória, existe muita dúvida se americanos e europeus aceitariam contribuir para financiar os países em desenvolvimento a fazerem o que precisam para combater a mudança climática. Por fim, diferentemente de 1992, a China, por exemplo, não só ingressou na economia de mercado como hoje detém o segundo PIB do mundo, depois dos Estados Unidos. A Índia ocupa o posto de quarta economia do mundo e o Brasil, a décima posição. Tudo isso ao custo de muita emissão de gases de efeito estufa.

Por conta disso, os países desenvolvidos alegam que não devem mais pagar toda a conta das ações de mitigação e adaptação, enquanto os países em desenvolvimento não só reclamam do que não foi recebido até agora, como ainda pedem, como fez a Índia, um aumento significativo dos valores desse financiamento. Até porque a conta não diz respeito apenas a quem polui hoje, mas a quem o fez historicamente, desde a Revolução Industrial. Afinal, só estamos onde estamos pelo conjunto da obra.

Na toada de crise que vai o mundo, em meio a tanta instabilidade econômica e política, fica difícil vislumbrar que na COP 30 seja resolvido o impasse para que os países em desenvolvimento finalmente recebam os recursos que esperam desde a Eco-92. Nessa bola dividida, o jogo periga terminar, mais uma vez, empatado (e todo torcedor sabe que empate em casa é quase derrota). Pena. Quem perde é o planeta.