Quando o assunto é crise climática, a discussão sobre comida costuma ficar no banco de reservas. Mas num jogo em que cada grau conta, os sistemas alimentares globais respondem por um terço das emissões de gases de efeito estufa, segundo a FAO (2021). É um peso que não se mede apenas no desmatamento, mas também nas perdas pós-colheita, no desperdício e na distância percorrida entre produção e consumo.

De acordo com o relatório especial Climate Change and Land (2019), do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), quando se somam as emissões das etapas pré e pós-produção, o setor é responsável por 21% a 37% das emissões líquidas antrópicas de gases de efeito estufa. Já no Brasil, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) estas emissões correspondem por mais de 73% das emissões de gases do efeito estufa em 2021, superando a média global.

O banco de sementes crioulas de Alenquer (PA) está integrado ao mercado municipal e às feiras agroecológicas, fortalecendo a comercialização de produtos locais e sustentáveis

Apesar deste cenário preocupante, há cozinhas comunitárias, pomares urbanos, ou feiras de agricultores familiares onde pulsa uma agenda climática silenciosa, mas poderosa. É nesse compasso que o Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares (Luppa) tem articulado uma rede de municípios brasileiros dispostos a colocar a comida centro das soluções para um futuro mais resiliente das cidades.

Criado em 2021 pelo Instituto Comida do Amanhã em parceria com o Iclei América do Sul, o Luppa é uma plataforma colaborativa, com uma rede de apoio onde representantes de municípios se unem para trabalhar na construção de uma agenda integrada de sistemas alimentares. O programa passa por geração de renda, garantia de direitos, educação alimentar, regulação de ambientes alimentares saudáveis e desenvolvimento regional, além de outros tantos temas afetos às políticas alimentares. 

Em Santarém (PA), por exemplo, a inclusão de produtos da sociobiodiversidade na alimentação escolar fortaleceu economias extrativistas, protegeu territórios florestais e reduziu emissões ao encurtar os caminhos entre o campo e o prato. Trata-se de uma política pública que costura nutrição, justiça social e conservação ambiental em torno da alimentação escolar.

Já em Maricá (RJ), o programa ajudou na instalação de jardins comestíveis, conhecidos localmente como Praças Agroecológicas. Esses espaços públicos transformaram-se em territórios de aprendizado, cultivo e convivência comunitária. No maior delas, em Itaipuaçu, há mais de 60 culturas distribuídas em 36 canteiros, onde hortaliças, frutas, plantas alimentícias não convencionais (PANCs) e medicinais são cultivadas coletivamente. Mais que hortas urbanas, as praças agroecológicas ensinam a comunidade a plantar e a valorizar o trabalho do agricultor, promovem segurança alimentar e nutricional, fortalecem práticas de compostagem e reduzem o desperdício.

Outro caso é o dos bancos de sementes crioulas em Alenquer (PA), que está integrado ao mercado municipal e às feiras agroecológicas que fortalecem a comercialização de produtos locais e sustentáveis. A cidade de Anchieta (SC) também é referência nacional nas políticas públicas de preservação do patrimônio genético alimentar. O município consolidou-se como um polo de conservação das sementes crioulas, realizando, inclusive, o Festival Gastronômico dos Milhos Crioulos.

O relatório Diálogo União Europeia – Brasil sobre Sistemas Alimentares Urbanos Sustentáveis analisou as ações dessas e de outras cidades brasileiras. Segundo a publicação, os sistemas alimentares urbanos circulares representam uma oportunidade concreta para substituir o modelo linear de produção, consumo e descarte – promovendo práticas como compostagem, gastronomia social, hortas urbanas e a conexão entre zonas rurais e urbanas. Essas estratégias não apenas enfrentam os desafios da insegurança alimentar e da má nutrição, como também contribuem com soluções locais frente às mudanças climáticas, formando uma malha de resistência e inovação que reposiciona as cidades como protagonistas de um pacto necessário entre comida, clima e justiça social.