No futebol, o fair play reconhece quem joga limpo dentro e fora do campo. Na luta contra a crise climática, também é preciso dar visibilidade às boas jogadas. Uma das mais promissoras é a restauração ecológica dos ecossistemas.
A ONU já deu o apito inicial da Década da Restauração dos Ecossistemas, que começou em 2021 e vai até 2030. E o desafio é grande: recuperar 1 bilhão de hectares de áreas degradadas em todo o mundo. No Brasil, a meta é restaurar 12 milhões de hectares até 2030. Parece missão difícil – e é – mas a boa notícia que soluções já estão sendo colocadas em prática. A Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida) atua na restauração e conservação da Mata Atlântica desde 1987 e já ajudou a plantar mais de 10,5 milhões de árvores.

No campeonato da restauração ecológica, a ciência que veste a camisa 10, organizando o time e dando os passes decisivos para o gol
As organizações que atuam na Mata Atlântica apostam em um leque completo de soluções, que incluem pesquisa científica, criação de grandes áreas protegidas, educação e permacultura. No campeonato da restauração ecológica, cada jogador tem um papel fundamental, mas é a ciência que veste a camisa 10: ela organiza o time, enxerga o campo, antecipa os movimentos e dá os passes decisivos para o gol.
O Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais tem orientado iniciativas científicas de restauração, realizando estudos sobre os ecossistemas, identificando onde e como agir, principalmente na Mata Atlântica. Um desses estudos resultou na descoberta de 26 novas espécies da fauna brasileira, entre elas o bicudinho-do-brejo (Formicivora acutirostris), ave típica do litoral sul, ameaçada de extinção.
O instituto também participa da criação de RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), da atualização das listas de espécies ameaçadas e do desenho de estratégias baseadas em bioindicadores e fitofisionomias pouco conhecidas. Seu trabalho é como montar uma tática de jogo com base em dados e inteligência.
Outra associação que joga pela natureza é a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), que conecta a conservação à economia, valorizando os serviços ecossistêmicos e apostando no ecoturismo numa área que abrange São Paulo, Paraná e Santa Catarina. O time conta com cerca de 900 parceiros em rede, ONGs, empresas, governos e comunidades locais. E os resultados são concretos: em Antonina (PR), por exemplo, as reservas geraram cerca de R$ 40 milhões em repasses do ICMS Ecológico, investidos principalmente em saúde e educação.
Mais do que criar áreas protegidas, a estratégia é formar uma paisagem funcional, onde espécies, pessoas e economia coexistem em harmonia. Com visão de longo prazo e foco na inclusão, a SPVS mostra que restaurar ecossistemas não significa parar o jogo do desenvolvimento, mas mudar as regras para vencer com sustentabilidade.
Ainda no campo da restauração ecológica, o Instituto ÇaraKura, de Florianópolis (SC), aposta em uma tática menos convencional, com jogadas educativas e dribles criativos por meio da arte, cultura e permacultura.
No Sítio ÇaraKura, sede da iniciativa em Florianópolis, o jogo é coletivo e sensorial. Crianças jogam de igual pra igual, participam do plantio com enxadas nas mãos, olhos curiosos e pés no chão. Com uma proposta transdisciplinar e enraizada no território, o Instituto aposta em jogadas que fortalecem a autonomia comunitária. São soluções simples, mas de efeito duradouro: bioconstrução, educação florestal, imersões em áreas a restaurar e metodologias que mesclam ciência e saber popular. A organização entende que restaurar ecossistemas também exige restaurar vínculos. (THAMARA DE ALMEIDA, CAROLINA SCHÄFFER E MIRIAM PROCHNOW)