Bebeto e Romário. Pelé e Garrincha. Ronaldo e Rivaldo. O futebol, como a vida, sempre teve boas duplas para abrilhantar o espetáculo. Não só o futebol. O cinema: Thelma e Louise. A música: Lennon e McCartney. A dança: Fred Astaire e Ginger Rogers. E, por que não?, a transição climática: adaptação e mitigação. Jogador do mesmo time não compete para ver quem é o dono da bola.

Esse texto é uma proposta construtiva de debate, em função de um artigo sobre políticas de mitigação e adaptação publicado aqui mesmo na Central da COP, nesta semana. A crise climática nos força a abandonar raciocínios binários. Entre adaptação e mitigação, não há escolha possível: ambas são indispensáveis. Tratá-las como forças opostas, como se investir em uma significasse abdicar da outra, leva a consequências reais, que já se refletem nas falhas estratégicas do Brasil e do mundo.

Adaptação e mitigação jogam juntas: restaurar florestas, por exemplo, não é só uma medida de mitigação; também reduz riscos de deslizamento e regula o ciclo da água, fortalecendo a adaptação

No jargão climático, quando falamos em “mitigação” nos referimos a políticas para mitigar, isto é, reduzir as emissões de gases do efeito estufa, cujo aumento da concentração atmosférica leva ao aquecimento global. Portanto, as políticas de mitigação contribuem para, no longo prazo, desacelerar as mudanças climáticas e amenizar seus efeitos.

Mas não há cenário em que apenas a mitigação seja suficiente. O planeta já aqueceu, e isso impõe mudanças profundas na forma como planejamos nosso futuro. Apenas mitigar emissões sem adaptar nossa infraestrutura e nossos territórios significa ignorar a volatilidade do clima. Basta olhar para hidrelétricas na Amazônia, cada vez mais vulneráveis a padrões de chuva imprevisíveis, ou para projetos de reflorestamento que desconsideram o aumento da frequência de incêndios. 

O contrário também vale: só adaptação não basta. Há limites para o que conseguimos ajustar sem reduzir as emissões. Sem a dupla em sintonia, fazendo tabelinha, não saímos do zero a zero, ou melhor, seguiríamos perdendo de goleada.

Outro equívoco recorrente é enxergar a adaptação como uma admissão de fracasso. Mesmo que amanhã o mundo inteiro zerasse suas emissões, ainda precisaríamos lidar com secas, enchentes e ondas de calor que já estão em curso. Já estamos atrás no placar. A pergunta não é se adaptamos ou mitigamos, mas como combinamos as duas estratégias de maneira eficaz. 

Adaptação e mitigação não são compartimentos isolados — elas se reforçam mutuamente. Restaurar florestas, por exemplo, não é só uma medida de mitigação; também reduz riscos de deslizamento e regula o ciclo da água, fortalecendo a adaptação. Construir cidades mais resilientes ao calor extremo reduz a demanda por ar-condicionado, diminuindo emissões. O Brasil, longe de estar focado demais em adaptação, precisa urgentemente ampliar seus investimentos em ambas as frentes.

Um exemplo claro dessa interdependência é a mitigação bem-sucedida obtida com a redução do desmatamento nos biomas brasileiros. Essa conquista, no entanto, tem sido compensada pelas queimadas cada vez mais frequentes, que liberam grandes quantidades de gases de efeito estufa. Da mesma forma, as hidrelétricas, que historicamente fornecem energia renovável ao país, estão se tornando menos confiáveis devido ao novo regime de chuvas provocado pela mudança do clima.

O foco excessivo no custo da adaptação não considera o preço da inação. Projeta-se que serão necessários US$ 100 bilhões para adaptação até 2030, mas o custo da omissão será ainda maior. As perdas econômicas causadas por enchentes e secas mais severas já se acumulam e continuarão a crescer se não forem enfrentadas com medidas concretas.

A conclusão do VAR é que adaptação e mitigação não estão em lados opostos: elas jogam juntas, tocando a bola, fazendo tabelinha, no esquema tiki-taka. E pela história, o Brasil sempre foi campeão quando teve uma boa dupla de ataque. Vide Pelé e Garrincha, Rivaldo e Ronaldo, e Bebeto e Romário (dos tempos do gramado).