Imagine um time que joga com todo o elenco no campo de ataque, deixando o goleiro sozinho na retaguarda. De certa forma, é isso que a Conferência das Partes da ONU tem feito quando empenha mais energia em políticas de adaptação do que de mitigação dos riscos climáticos. E até agora, nada indica que a COP30, agendada para novembro em Belém, tome um rumo diferente.
Que fique claro: iniciativas de adaptação são fundamentais para evitar enchentes como as que castigaram o Rio Grande do Sul, no ano passado, ou a comunidade de Jardim Pantanal, na cidade de São Paulo, há uma semana. Mas elas revelam também um certo tipo de derrota: só se adapta um local para os efeitos extremos da chuva, do calor, da seca, ou do aumento do nível do mar quando não se confia mais na nossa capacidade de mitigar esses efeitos.

Manter apenas a adaptação como jogadora titular, enquanto a mitigação fica no banco de reservas é uma distração perigosa para a abordagem do Brasil na COP, especialmente diante da falta de políticas públicas (e privadas) que pensem as mudanças climáticas a longo prazo. De acordo com o estudo “2024: o ano mais quente da história”, elaborado pelo Programa Maré de Ciência da UNIFESP, a falta de adaptação já causou um prejuízo de R$188,7 bilhões, além de ter resultado em 1.034 mortes no Brasil entre os anos de 2020 e 2023 (quando o marco temporal é ampliado a 1995, o prejuízo é de meio trilhão de reais).
Propostas de mitigação poderiam reduzir esses danos econômicos e minimizar os impactos humanos e sociais. E não falta demanda, se levarmos em conta os números levantados pelo estudo, já que 5.117 municípios – ou 92% dos municípios do Brasil – reportaram algum tipo de dano causado por desastres climáticos entre 1991 e 2023. Sim, é isso mesmo: 92%.
Investir em mitigação precisa ser tão necessário quanto em adaptação, e não pensar nessas duas estratégias conjuntas e simultâneas é insuficiente e desrespeitoso com nós, jovens, que seremos severamente afetados por esta conta que não fecha. Prefeitos e gestores públicos deveriam adotar medidas preventivas, que são mais eficazes e financeiramente vantajosas, já que cada US$ 1 investido em prevenção pode economizar até US$ 15 em custos de recuperação, segundo a ONU. O problema, claro, é que prevenção (ainda) não gera voto, mesmo que no âmbito da Conferência em si esse seja um tema amplamente tratado.
O Banco Mundial estima que os custos de adaptação no Brasil podem chegar a US$ 100 bilhões até 2030, um valor elevado que poderia ser evitado com investimentos em planos de redução de risco e prevenção, como monitoramento, emissão de alerta, educação, reflorestamento, combate ao desmatamento ilegal, além de políticas de descarbonização e desenvolvimento local focadas na auto-suficiência das comunidades. Um exemplo disso são as enchentes no Rio Grande do Sul que causaram prejuízos de mais de R$ 12 bilhões, um impacto possível de prevenir se a mitigação fosse uma prioridade.
O financiamento pífio de US$ 300 bilhões destinado a todos os países em desenvolvimento, durante a última COP, não leva em conta a necessidade urgente de um fundo de mitigação financeiramente viável. Investir em mitigação não é apenas possível, mas também essencial do ponto de vista econômico para garantir o bem-estar social — algo que tem sido negligenciado nas COPs.
Assim, na prática, o que vemos são governos municipais reagindo sempre após as tragédias, como se fosse inevitável ver famílias perdendo suas casas e suas vidas. Adaptar é essencial, mas é pagar caro por uma política que poderia ter muito mais retorno – em gastos públicos e sobretudo em vidas – se a mitigação fosse prioritária. Um erro tático, porque no clima, assim como no futebol, não falta dinheiro, só falta condução técnica adequada. (GAB CAEU e CAROLINA OLIVEIRA DIAS)