Um país, como Tuvalu. Um bioma, como o Pantanal. Uma cidade, como Porto Alegre. Ou apenas uma criança, numa pequena comunidade ribeirinha, que não consegue mais ir à escola. Já pensou em como são infinitamente variadas as vítimas das mudanças climáticas?

O exemplo da criança é real. No final do ano passado, a escola Santo Inácio de Loyola, localizada em Boim – um distrito de Santarém, no Pará, – não conseguiu mais receber muitos de seus alunos, em função da seca aguda do rio Tapajós. Crianças de comunidades vizinhas, como São Tomé, Pau da Letra, Nuquini e Nova Vista, simplesmente não tinham mais como chegar à sala de aula (na Amazônia, vale lembrar, os rios são as principais estradas). Foi preciso improvisar uma solução, em que os exercícios didáticos eram levados de bicicleta às casas das crianças na segunda-feira, e recolhidos às sextas. Uma vez por semana, uma professora se encarregava de ir a uma das comunidades onde parte dos alunos estava. As cinco aulas semanais viraram uma, num caso bem didático de como o aquecimento do planeta perpetua a desigualdade.

Foto antiga do barco Amigo, que costumava ser usado para levar crianças de comunidades ribeirinhas à escola em Boim (Foto: acervo pessoal Lucenildo Lameira)

Em 2023 e 2024, a Amazônia enfrentou suas duas piores secas da história. O isolamento das comunidades afetou também os serviços de saúde e alimentação. Nos rios, houve uma enorme mortandade de peixes. Fora deles, perda de lavouras e queimadas descontroladas.

Não vimos a mesma atenção ao Norte que foi dada ao Sul, no começo do ano passado. O que se viu foi um Estado insuficiente e lento diante de uma seca severa que já era esperada. Com parte dos cursos d’água secos ou bastante barrentos, vimos algumas distribuições de cestas básicas e água mineral, que atenderam poucas comunidades frente à enorme demanda, com insumos que não duravam nem uma semana em meio aos meses de estresse hídrico. Além de caras, essas não são soluções para o novo normal. Projetos estruturais como sistemas fotovoltaicos de abastecimento comunitário teriam mais eficiência e melhor relação custo/beneficio. 

Os tomadores de decisão, sobretudo os de países industrializados, têm culpa pela mudança do clima – e Donald Trump está aí para mostrar com quantos paus se afunda uma canoa. Mas a resposta à crise humanitária é de responsabilidade dos nossos governantes. E por governantes me refiro a todos, de presidente a vereadores. Quanto mais eles deixam as questões ambientais em segundo plano, maior o sofrimento dos cidadãos. E mais cara fica a conta.

Entrega de filtros de nanotecnologia, acoplados a baldes, que retém 99,99% das impurezas da água, nas regiões de várzea afetadas pela estiagem (Foto: Pedro Alcântara/PSA)

Pouco se falou de clima durante as campanhas eleitorais na região, que ocorreram no auge da estiagem. Até aí, nenhuma surpresa, já que 88,86% dos prefeitos eleitos na Amazônia são contrários à pauta ambiental, segundo levantamento do InfoAmazonia com base no ICAt (Índice de Convergência Ambiental total). Medidas de mitigação, como a redução das emissões, o controle das invasões e o combate ao desmatamento são vistas como ameaças ao crescimento econômico. Insiste-se num modelo arcaico de ocupação que deu errado, que opõe a floresta ao desenvolvimento, que viola direitos, que beneficia poucos e que ainda deixa a conta para todos. A região Norte detém os piores indicadores sociais do país, há décadas estagnada nos pífios 7 a 8% de participação no PIB nacional. E esse modelo de pobreza é responsável por metade das emissões brasileiras, vindas, em sua maioria do crime, do desmatamento ilegal. 

Para começar a mudar, só quando a sociedade despertar, e o meio ambiente passar a dar voto em uma Amazônia onde mais de 70% da população é urbana. Sem o social não se resolve o ambiental. 

A COP 30 E A ADAPTAÇÃO

Uma região diferente demanda estratégias diferenciadas, que compensem a logística onerosa e atendam o contexto amazônico. Não são fáceis os desafios de uma prefeitura como a de Altamira, por exemplo, para implementar a atenção primária ou o acesso à água em uma área maior que a Inglaterra. Mas as soluções estão aí.

O momento é oportuno. Neste ano, a Amazônia será sede da COP 30, tendo a Adaptação e o Financiamento Climático entre as principais agendas. No campo doméstico, o Governo Federal está atualizando a Estratégia Nacional de Adaptação, com forte atenção às cidades. Se pelo viés da mitigação tem sido difícil, quem sabe pelo da adaptação climática (redução dos danos nesses novos tempos) seja possível comover as pessoas. 

Rio Marupá, em terras Munduruku, na Bacia do Tapajos, com uma draga de garimpo atolada: seca deixou as aldeias isoladas (Foto: Coletivo Audiovisual Indígena Wakoborun)

Talvez por aí a pauta socioambiental aterrisse de forma mais palatável nas casas de cada um, até porque o clima já entrou chutando. Na região do país que mais carece de infraestrutura básica, serão mais que bem-vindos investimentos que melhorem o acesso às energias renováveis, ao saneamento, à água de consumo, aos sistemas de irrigação, de conservação de alimentos, de atenção primária e, claro, de acesso à educação.

Quem sabe assim, tocados pela necessidade de políticas de adaptação aos novos tempos, as pessoas possam incidir com mais força junto aos que detém a caneta – e as crianças de Boim, São Tomé, Pau da Letra, Nuquini e Nova Vista tenham o direito de voltar a estudar cinco vezes por semana. 

Otimismo é algo cada vez mais desafiador. Mas não faltam elementos para virarmos a chave.