No último dia 30 de novembro, o governador do Pará, Helder Barbalho, veio a Santarém para entregar o que chamou de “reforço” de combate aos incêndios florestais: dois helicópteros e oito caminhões, além do incremento de 40 integrantes no efetivo militar. O problema é que caminhões raramente são usados para combater incêndios num bioma que depende muito mais de rios do que de estradas. Pior: enquanto o governo faz esse tipo de entrega, o posto avançado dos bombeiros em Alter do Chão segue sem uma única lancha – que, aliás, é muito mais barata que um caminhão.
Sou fundador e brigadista na Brigada de Alter, uma organização voluntária, que trabalha desde 2018 com Manejo Integrado do Fogo em parceria com o poder público e com as comunidades e aldeias da região do baixo Tapajós. Somos nós que estamos nos territórios, que temos as melhores condições de dar a primeira resposta em casos de incêndio florestal. Esse tipo de apoio da sociedade civil é fundamental, já que é muito caro e demorado o deslocamento numa região do tamanho da Amazônia. Ou das Amazônias, como prefiro chamar, já que ela cobre uma área continental, que se espalha por nove estados do Brasil e por mais nove países. São vários os microclimas; ela é grande demais para ser uma só.
Se 2025 repetir os números deste ano, nós, brigadistas, estaremos diante do fogo na floresta, e não dos debates quando ocorrer a COP em Belém. FOTO ANDRÉ NOBOA / UM GRAU E MEIO
Trabalhei no combate ao fogo durante toda essa temporada de seca, que foi de agosto a dezembro. Entre julho e agosto fizemos um curso, com apoio do Fundo Casa, da ONG Saúde e Alegria, do WWF Brasil e do ICMBio para a formação de 34 novos brigadistas, que nos ajudariam nos meses seguintes. Em setembro fomos acionados pela Funai para dar apoio, com dois esquadrões (ou dez pessoas) para combater o fogo na Terra Indígena Apiaká-Kayabi, no norte do Mato Grosso.
Em outubro fizemos em parceria com a empresa Um Grau e Meio, o ICMBio e a ONG Saúde e Alegria para percorrer, de barco, as comunidades da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns. A ideia era passar quinze dias em ações de prevenção e educação ambiental. Só que isso não foi possível, já que em três momentos tivemos que parar tudo para combater o fogo. Em novembro, continuamos o trabalho, sempre em parceria com o ICMBio e os bombeiros militares, numa área de mais de 1.200.000 hectares – oito vezes a cidade de São Paulo. Nunca há brigadista ou bombeiro suficiente para tanto fogo.
O ano de 2024 conseguiu bater o recorde de 2023 em relação à seca extrema. Em 11 de novembro o nível do Rio Tapajós chegou a 12 centímetros – 33 cm a menos que no mesmo período de 2023. Se comparado a 2015 – outro ano de seca extrema -, o nível do rio baixou impressionante 1,36 metro. Passamos meses com uma fumaça espessa irritando os olhos, as roupas no varal cheirando à fumaça, os dias com uma cor amarelada, no estilo do filme Mad Max.
É difícil: o humor muda, as pessoas perdem a esperança e capacidade de respirar. Literalmente. Entre setembro e novembro, houve 6.272 atendimentos por problemas respiratórios na rede de saúde pública de Santarém, segundo a prefeitura. No dia 24 de novembro, Santarém registrou a pior qualidade do ar do planeta, com o índice em 414 µg/m³ (de acordo com a Organização Mundial da Saúde, esse índice é considerado bom quando está entre 0 e 50 µg/m³). Em 25 de novembro a prefeitura decretou situação de emergência.
Mas por que menciono tudo isso? Porque daqui um ano, em novembro de 2025, teremos a COP 30 em Belém. Será a primeira Conferência das Partes em três anos sediada num país livre, que não deve proibir protestos, não deve prender ativistas e que deve levar em conta as vozes da sociedade civil, para além do que é dito pelos negociadores nos espaços de discussão da COP. Ótimo. Mas me pergunto se nós, da Brigada de Alter, poderemos estar em Belém. Novembro, afinal, é o mês de auge da seca. Se 2025 repetir os números deste ano, nós estaremos diante do fogo, e não diante dos debates políticos. Será que o estado do Pará vai despertar até lá? Será que vai destinar terras públicas, fiscalizar, punir, multar e trabalhar junto com o governo federal, municípios e sociedade civil para cortar o mal pela raiz?
Na floresta, costumamos dizer que a chuva sempre foi e será a melhor brigadista. Mas ela não pode ser a principal aliada. É preciso haver um planejamento estratégico com governos municipais, estadual e federal para já pensarmos os planos de Manejo Integrado do Fogo em 2025. Um planejamento que veja o combate ao fogo e, sobretudo, o combate às origens do fogo como parte essencial da solução. Se não, o Brasil corre o sério risco de passar vergonha durante a COP.