A cena chegou a viralizar: era 2021, e o então Ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores de Tuvalu, Simon Kofe, fez um discurso para a COP 26 de dentro do mar, com água nos joelhos, deixando explícito o que pode acontecer com a ilha por causa do aumento da temperatura e do nível do mar. É uma imagem que vive na minha cabeça.

Este ano, na COP 29, enquanto estava dentro de um ônibus indo em direção à zona azul, onde ocorrem os encontros, elogiei o cabelo de uma moça de forma aleatória. Começamos a conversar e ela me contou que era de uma das ilhas do pacifico, negociadora da Alliance of Small Island States (Aosis), as pequenas ilhas do Pacífico vizinha a Tuvalu.

Quantas vidas serão perdidas? Quantas histórias deixarão de ser contadas? Quantas línguas desaparecerão? / DIVULGAÇÃO TUVALU

Conversamos sobre as negociações e sobre Tuvalu, uma ilha-país que abriga 11 mil habitantes e que está condenada a desaparecer. Além da possibilidade de perder o território físico, Tuvalu corre o risco de perder sua cultura, língua, história, memórias afetivas e sua ancestralidade. É o desaparecimento de um povo causado pela crise climática.

Cito essa história porque a Aliança dos Pequenos Países-Ilhas foi (triste) protagonista de uma cena revoltante ocorrida em sala onde se negociava o financiamento climático. O valor discutido já estava completamente distante do necessário — os países em desenvolvimento pediam 1 trilhão de dólares (que, a título de comparação, é bem menos do que o gasto militar de um único país desenvolvido, os Estados Unidos, que em 2022 gastaram 1,5 trilhão de dólares para bancar a indústria da guerra).

Em protesto, as aliança das pequenas ilhas junto ao grupo dos países menos desenvolvidos deixaram a sala de negociação, exigindo que os demais países honrassem o Acordo de Paris. Mas parece que esses países têm outras prioridades que não a de manter a meta de aquecimento em 1.5ºC, como foi acordado na COP 21, de Paris.

No final da COP 29, o montante negociado não chegou nem perto do que era desejado: chegou-se à quantia de 300 bilhões de dólares a partir de fontes públicas e privadas até 2035. É importante lembrar que, em 2009, o valor prometido era de 100 bilhões de dólares anuais — e que essa meta nunca foi totalmente cumprida. Com 300 bilhões de dólares anuais que nem sequer cobrem as perdas inflacionárias da meta original, mal se consegue mitigar as consequências da crise climática, muito menos atender às demandas de adaptação e de danos irreparáveis enfrentados pelos países mais vulneráveis.

Em suma, ficou na mesa, para a COP 30, achar uma solução para atingir esse necessário trilhão de dólares (será que se usarmos a palavra “guerra” conseguimos um naco do orçamento militar americano?).

Para nós, ativistas, retornar de uma COP com um fracasso dessa magnitude é devastador. Nossas vidas, as vidas das pessoas mais vulneráveis, não são uma mercadoria. O financiamento climático está intrinsecamente ligado aos direitos humanos. Isso contrasta profundamente com a lógica do mercado de crédito de carbono, que transforma a emissão de poluentes em uma commodity negociável entre países ricos e pobres.

Quantas vidas serão perdidas? Quantas histórias deixarão de ser contadas? Quantas línguas desaparecerão? Quantos países precisarão ser engolidos pelo mar antes que as negociações do Acordo de Paris deixem de ser palco para a defesa de interesses nacionais e passem a convergir para um objetivo comum, o de salvar vidas?

O tempo está acabando, a escolha pela inação custa caro. Cada negociação perdida não só priva o nosso presente da justiça, mas também rouba o nosso futuro da esperança. (ISVILAINE SILVA)