“Isso é uma piada?” foi a pergunta ouvida pelos corredores da COP29, em Baku, nesta sexta-feira (22/11), após a apresentação da segunda versão do texto de NCQG, a nova meta global de financiamento climático. A proposta, divulgada ao final da manhã no horário local, após horas de espera, reduz a contribuição de países ricos para financiar a ação climática a US$ 250 bilhões por ano até 2035 – quando a demanda é de 1,3 trilhões de dólares –, sem especificar as fontes e as formas de acesso a esse financiamento e sem implicar grandes poluidores, como a indústria fóssil.
“É absolutamente inaceitável. O texto reconhece a necessidade de US$ 1,3 trilhão [para o financiamento climático]. Mas, depois, diz que serão apenas US$ 250 bilhões, e de várias fontes. O Acordo de Paris é muito claro ao falar que os países desenvolvidos têm essa obrigação para com os países em desenvolvimento, mas esse texto fala que os países desenvolvidos vão ‘tomar a dianteira’. Ou seja, ele dilui a obrigação e as fontes de financiamento”, comentou Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima. “Fica difícil imaginar que essa proposta possa ser de verdade”, completou.
Estamos com raiva, mas continuaremos negociando até o fim”, disse Tasneen Essop, diretora executiva da CAN International
O texto apresentado pela presidência azeri gerou indignação e frustração entre países em desenvolvimento e observadores da sociedade civil. A expectativa era grande, já que a NCQG é o principal tema da conferência e, por isso, sua medida de sucesso – ou fracasso.
Como explica Camila Jardim, do Greenpeace Brasil, a falta de clareza sobre as fontes significa desobrigar o financiamento público da conta da crise do clima, o que fragiliza a ação climática. “O documento não deixa claro qual percentual desses US$ 250 bilhões deve vir de doações ou de financiamento altamente concessional, o que novamente levanta preocupação sobre o endividamento dos países em desenvolvimento e a dificuldade de financiar a ação climática nesses países. Ao mencionar o valor de US$ 1.3 trilhão como meta total até 2035, o texto apresentado está esperando que a solução venha do setor privado, que sabemos não ser o caso”, afirmou.
Para Tasneen Essop, diretora executiva da Climate Action Network International, o rascunho da NCQG é um insulto às populações dos países em desenvolvimento. “O Sul Global não deve carregar o peso da falha dos emissores históricos. Estamos com raiva, mas continuaremos negociando até o fim”, disse. O diretor da Power Shift Africa, Mohamed Adow, também criticou a proposta. “Precisamos que os países desenvolvidos peguem o touro pelos chifres e apresentem um valor que reflita as reais necessidades dos países em desenvolvimento. Os países ricos precisam ignorar essa presidência [da COP29] e negociar olho no olho com os países em desenvolvimento”, argumentou.
O texto desta sexta-feira também falha em relação à transparência, algo que o Brasil tem defendido. “Tão importante quanto a quantidade de dinheiro, é saber o que é dinheiro de financiamento climático ou não”, diz Claudio Angelo, pontuando que, com a indefinição das fontes e das responsabilidades sobre o pagamento, torna-se impossível acompanhar nas minúcias o processo.
Além disso, diferentemente do rascunho apresentado ontem (21/11), o tópico sobre acesso ao financiamento piorou. Apesar de dizer que “apoia os esforços” para melhorá-lo, o texto não indica como os países vão receber os recursos com agilidade e sem endividamento.
Após a análise dos países, o conteúdo do texto volta a ser discutido em plenária. A expectativa é que a atual versão seja derrubada. Ainda não há previsão de que horas a conferência deve terminar. É possível que ela avance até o fim de semana. (LEILA SALIM E PRISCILA PACHECO)