O time da casa virou. Pelo menos é o que mostram os dados mais recentes do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, que apontam uma redução de 55% no desmatamento do bioma nos primeiros seis meses de 2024 em comparação ao mesmo período do ano anterior. Entre janeiro e junho, foram desmatados 21.401 hectares, contra 47.896 em 2023. Mais importante: essa aparenta ser a primeira queda desde que o SAD Mata Atlântica – resultado de uma parceria entre a Fundação SOS Mata Atlântica, a Arcplan e o MapBiomas – começou sua medição, em 2022.
A queda expressiva se deve, em grande parte, ao fortalecimento da fiscalização, ao corte de crédito para desmatadores ilegais e ao uso de embargos remotos (restrições aplicadas a áreas desmatadas, detectadas por monitoramento à distância, impedindo seu uso comercial). Ainda assim, o impacto do desmatamento permanece alarmante e inaceitável, especialmente num bioma tão devastado e ameaçado quanto a Mata Atlântica: a área destruída em seis meses equivale a cerca de 20 mil campos de futebol.
Ainda que os dados só cubram o primeiro semestre, esta parece ser a primeira queda no desmatamento medida pelo SAD
Hoje, segundo o MapBiomas, restam 24% da cobertura florestal original da Mata Atlântica. Além dessa proporção estar muito abaixo do limite mínimo aceitável para sua conservação, que é, segundo estudo publicado na revista Science, de 30%, as florestas naturais encontram-se restritas a espaços extremamente fragmentados (a maior parte não chega a 50 hectares) e, em 80% dos casos, estão em propriedades privadas.
“O mapeamento do MapBiomas indica que atualmente o processo de regeneração da vegetação é maior que o desmatamento, o que é uma ótima notícia. No entanto, o desmatamento continua ocorrendo sobre florestas maduras, mais antigas, que contêm maior riqueza de espécies da flora e da fauna”, afirma Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.
Necessidade contínua de vigilância e ação
Diretor executivo da SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto considera os novos dados um alívio temporário, ressaltando a necessidade contínua de vigilância e ação. “A Mata Atlântica ainda está vulnerável e precisamos intensificar nossos esforços, principalmente no que se refere à fiscalização, para garantir a integridade da vegetação nativa do bioma”, explica. Ele lembra ainda que a proteção e o recuperação da Mata Atlântica, apontada pela ONU como uma das dez Iniciativas de Referência da Década da Restauração de Ecossistemas, são fundamentais para a garantia de serviços ecossistêmicos – como água, alimentos, saúde e bem-estar nas cidades – em uma região que abriga 70% da população brasileira e responde por 80% da economia nacional.
“Para o Brasil cumprir os compromissos firmados no Acordo de Paris, devemos alcançar o desmatamento zero em todos os biomas até 2030. A Mata Atlântica tem o potencial de ser o primeiro bioma brasileiro a fazer isso, com a chance de se tornar uma referência para o país e para o mundo no combate às crises ambientais e climáticas”, completa.
Mas a impunidade diante dos crimes ambientais ainda é um enorme obstáculo para que essas metas sejam atingidas. “As respostas das autoridades têm sido insuficientes, como vimos com relação às queimadas criminosas que este ano atingiram níveis assustadores. A falta de justiça quase uma década depois do dano ambiental decorrente do rompimento da barragem de minério em Mariana, Minas Gerais, é outro exemplo dessa negligência institucional, que perpetua uma sensação de insegurança e compromete a confiança na capacidade do sistema em proteger o meio ambiente”, afirma Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica.
Ela ressalta que os resultados tímidos da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 16), realizada em Cali, Colômbia, exigem a necessidade de maior pressão social para que compromissos ambientais avancem de maneira concreta. Um exemplo é a lei anti desmatamento da União Europeia, que restringe a importação de produtos de áreas desmatadas – cuja implementação foi adiada a pedido de países afetados, inclusive o Brasil, que, dessa forma, se coloca na contramão de seus próprios esforços no combate à degradação ambiental.
“Diante desse cenário, a sociedade civil desempenha um papel central ao cobrar políticas ambientais mais robustas e alinhadas aos compromissos internacionais, especialmente no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 29). É um momento decisivo para garantir que os países, entre eles o Brasil, avancem na transição energética, no financiamento climático e no combate ao desmatamento”, conclui.