Hoje, 11 de novembro, terá início em Baku, Azerbaijão, a 29a Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (UNFCCC). A COP29 vem sendo minimizada por se tratar de um encontro supostamente técnico numa petroditadura, e esvaziada de líderes globais importantes, especialmente após o resultado catastrófico da eleição dos Estados Unidos. Lula não vai, Joe Biden tampouco, Olaf Scholz e Ursula von der Leyen também não. Mas ela pode ser descrita, sem exagero, como uma das conferências mais importantes desde a adoção do Acordo de Paris, em 2015. Isso porque em Baku será definido o que fazer com a mola-mestra de toda ação climática: o dinheiro. Ou seja, se os países desenvolvidos finalmente vão aceitar a condição de patrocinadores-master da adaptação climática.
A reunião de 196 países na autocracia da Ásia Central precisa aprovar a chamada NCQG, sigla em inglês para Nova Meta Quantificada Coletiva. É o montante que os países desenvolvidos precisam levantar a partir do ano que vem para financiar o combate e a adaptação à crise climática nos países em desenvolvimento, que foram menos responsáveis pelo aquecimento global observado hoje mas que, além de serem atualmente os maiores emissores de carbono, são também as principais vítimas de eventos climáticos extremos.
Os atuais US$ 100 bilhões por ano das nações ricas para financiar a ação climática são pouco; seriam necessários US$ 5 trilhões até 2030
Em 2015, em Paris, ficou combinado que as nações ricas dariam US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para financiar a ação climática no resto do mundo e que esse montante seria o piso para uma nova meta global de financiamento climático que passaria a vigorar a partir de 2025. O dinheiro nunca veio todo (embora a OCDE jure de pé junto que inteirou os US$ 100 bi a partir de 2022) e a maior parte dele foi emprestada e não doada. A NCQG precisa corrigir as falhas da meta de 100 bi e aumentar muito a quantidade de recursos – só para implementar parte dos planos climáticos existentes os países em desenvolvimento precisariam de pelo menos US$ 5 trilhões até 2030. Não será fácil.
Primeiro, porque a geopolítica está jogando contra: A COP29 acontece num cenário de aumento de conflitos armados no mundo, o que reduz o apetite pela cooperação internacional. Além das guerras na Ucrânia, no Sudão e em Gaza, agora Líbano e Irã também estão envolvidos nos embates com Israel. O Azerbaijão, portanto, será a primeira sede de COP com duas guerras em sua fronteira: Irã ao sul e Nagorno-Karabakh a sudeste, região em disputa com a Armênia. A ascensão da extrema-direita na Europa, a provável dissolução do governo alemão e o recente estremecimento das relações entre Canadá e Índia engrossam o caldo desfavorável.
E aí tivemos Donald Trump. O republicano já prometeu que voltaria a tirar os EUA do Acordo de Paris, o que sempre levanta o fantasma de outras defecções de nações autoritárias na sequência. Além disso, cortará na primeira oportunidade todo o (pouco) financiamento climático pago por seu país, o que de saída impede a COP29 de dar uma solução satisfatória para o principal assunto em pauta: de quanto dinheiro estamos falando.
O quantum da NCQG, como é chamado, tem as estimativas mais diversas. Na versão mais recente do texto de negociação, o quantum vai de “mais de US$ 100 bilhões por ano” a US$ 2 trilhões por ano. A dívida climática dos países ricos, estimada em US$ 192 trilhões até 2050, ou R$ 6,2 trilhões por ano. Os países ricos alegam não ter essa grana na conta e dizem que só mobilizando capital privado (e empréstimos) será possível pingar algo muito maior que US$ 100 bilhões na mesa.
O outro problema, que tem relação direta com o anterior, é a chamada base de doadores: quem deve contribuir? Se no quantum a demanda é dos países pobres para os ricos, aqui o jogo se inverte: os países desenvolvidos afirmam que o mundo mudou desde os anos 1990, quando a Convenção do Clima foi criada, e agora países como Coreia do Sul, China e árabes, isentos de responsabilidade financeira lá atrás por seu status, não podem mais ser considerados “pobres”. Portanto, precisam abrir a bolsa se quiserem que eles, ricos, ponham dinheiro na mesa. O G77, bloco das nações em desenvolvimento, obviamente discorda. Esse impasse da diferenciação entre os países, o mais antigo da UNFCCC, tende a causar choro e ranger de dentes em Baku.
Mas nem só de dinheiro vive a “COP das Finanças”, como vem sendo chamada a COP29. Espera-se que em Baku sejam finalmente concluídas as negociações da regulamentação dos mercados globais de carbono (o muito falado e pouco compreendido Artigo 6 do Acordo de Paris). O presidente da COP, Muktar Babayev, disse que finalizar o Artigo 6 é ponto de honra de sua presidência.
Também serão negociados detalhes da Meta Global de Adaptação, acordada em 2023 em Dubai, cujos indicadores precisam ser finalizados no ano que vem em Belém do Pará na COP30. As negociações acontecem no bojo do Programa de Trabalho UAE-Belém. Baku precisa, ainda, avançar para tornar operacional o Fundo de Resposta a Perdas e Danos, acordado em 2022 no Egito e criado no ano passado em Dubai na COP28.
E, claro, a assombrar Baku também está a mãe de todos os elefantes na sala: onde mesmo nessa negociação os países vão tratar da causa da crise do clima? No ano passado, em Dubai, foi concluído o Balanço Global do Acordo de Paris, o GST, que deveria orientar o aumento da ambição dos planos climáticos nacionais (as NDCs) de modo a alinhá-los com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5oC. No mesmo documento foi acordada a necessidade de “eliminar gradualmente (transition away from) os combustíveis fósseis nos sistemas energéticos” de forma ordenada e justa, em linha com a ciência e começando nesta década. Desde então, o mundo está fingindo que não assinou nada – alguns países inclusive se mostraram arrependidos e tentam torpedear a linguagem de Dubai, vetando menções a combustíveis fósseis nas declarações ministeriais do G20 neste ano, por exemplo.
A COP do Azerbaijão precisa encaminhar as orientações do GST, já que será a última reunião multilateral antes do prazo final (fevereiro do ano que vem) para a apresentação das novas NDCs, que devem valer até 2035. O Brasil, juntamente com os Emirados Árabes Unidos e o Azerbaijão, formou uma “troika” de presidências de COP para fazer lobby por maior ambição nas novas NDCs, mas esse processo não faz parte da agenda formal das negociações.
O Observatório do Clima – holding climática dona da Central do Clima – publicou um artigo, hoje, listando suas dez principais expectativas para a COP. Elas estão alinhadas com as demandas do movimento ambientalista internacional, representado pela Climate Action Network, rede de 1.800 ONGs da qual o OC faz parte. O texto fala, ainda, de preocupações do movimento ambientalista em relação à presidência azeri, ao espaço cívico e à segurança dos participantes da COP. É preciso saber que tática adotar para os próximos dias. Serão quase duas semanas de jogo pesado nessa Arena Climão.