Certa vez, num evento que debatia como incidir politicamente em temas do clima, uma pessoa branca, que representava uma ONG socioambiental, perguntou: “Mas vocês não acham que é pouco propositivo só falar de racismo ambiental? O racismo existe, mas está na hora de pensar nas propostas para enfrentar a crise climática.” 

Como se nossas denúncias de racismo fossem vazias de propósitos e propostas, né, cara pálida? 

“Pelo que vi aqui em Baku, fica difícil dizer que há esperança para a COP 30, que finalmente chegará à América Latina, ao nosso Brasil, no ano que vem.”

Denunciar o racismo ambiental e propor soluções a partir dele exige ideias complexas, que fogem do senso comum e dos limites da filantropia nacional. É um caminho que poucas pessoas brancas e privilegiadas estão dispostas a seguir. 

É necessário reafirmar: não denunciamos o racismo ambiental que aprofunda as desigualdades climáticas para paralisar as propostas, e sim para qualificá-las e garantir que estejam orientadas a salvar as vidas que morrerão primeiro nesta corrida rumo ao fim do mundo. O que nos parece pouco propositivo é justamente a manutenção do privilégio branco que sempre orientou a política para caminhos de prevenção individualista, e não para o cuidado e bem-viver comunitário. 

Sou uma mulher negra, de 25 anos, criada na periferia de São Paulo. Para mim não existe a possibilidade de compreender o cenário em que estamos sem entender a profunda desigualdade estrutural que tornou o Brasil um caso instrutivo – no pior dos sentidos, claro – de como se delimita quem morre (primeiro) e quem vive na crise climática. Por isso é preciso dar nome aos bois, e é preciso resistir. Resgatando os ensinamentos de Conceição Evaristo, “eles combinaram de nos matar e a gente combinamos de não morrer”. 

Combinar de não morrer, para nós, é transformar essa discussão teórica e acadêmica sobre racismo ambiental num grande plano estratégico de bem-viver, de justiça, de dignidade e de reorientação das políticas públicas. Sendo assim, não há nada mais propositivo do que combater o racismo ambiental, que se traduz em múltiplas facetas. Uma delas: os projetos científicos de pesquisa climática, no ensino superior, ainda têm dificuldade em reconhecer os movimentos e organizações de base. Nos cinco estados que receberam o maior financiamento do CNPQ – São Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Pernambuco e Pará, nesta ordem -, os homens brancos configuraram o grupo mais favorecido. Os dados são de janeiro a setembro de 2023. O racismo ambiental também está presente na escolha dos territórios cedidos para a especulação imobiliária, tornando insustentável uma vida horizontal, comunitária, de bem-viver, conectada com a agroecologia urbana e periurbana, como é o cenário atual da cidade de São Paulo.

Estamos cada vez mais certas disso: com a manutenção do racismo ambiental, não há mitigação e adaptação que garanta um freio na crise climática. Sem o olhar intersetorial e interseccional que a crise climática nos exige, não há respostas propositivas capazes de garantir a resiliência climática para os nossos.