Haja coração! A diretora executiva de Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia Anjos, faltou com o fair play no intuito de defender a exploração de novos blocos de petróleo no Brasil, especialmente na Foz do Amazonas, que integra a Margem Equatorial. As declarações foram dadas durante uma aula aberta na Coppe, instituto de pós-graduação em engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na quinta-feira passada, 24 de outubro. Como promotora da aula, a instituição, um dos mais respeitados centros científicos da América Latina, não ofereceu qualquer contraponto. 

A executiva invadiu a grande área do bom senso e afirmou que não existem corais na Foz do Amazonas, apenas “rochas antigas”. Omitiu, portanto, que o Grande Recife Amazônico é habitat de seres vivos que formam um ecossistema crucial, inclusive para espécies de peixes que contribuem para a economia da região Norte. Sylvia Anjos também minimizou a responsabilidade do Brasil nas emissões de combustíveis fósseis, apesar de o país ser o nono maior produtor de petróleo do mundo. Além disso, apresentou uma explicação incorreta — usada frequentemente por quem nega a influência humana nas mudanças climáticas — sobre as causas do aquecimento global. 

A regra é clara: a executiva da Petrobras ignorou a biodiversidade do recife amazônico e a responsabilidade do Brasil nas emissões pela queima de combustíveis fósseis 

O Fakebook.eco, mais um site da holding esportiva Observatório do Clima, checou essas declarações, tão incertas quanto o prêmio Bola de Ouro da Fifa ter sido dado a Rodri e não a Vini Jr. Confira abaixo:

JOGADA POLÊMICA: “Não existe coral na Foz do Amazonas. Isso não é verdade, é uma “fake news” científica. Existem rochas carbonáticas, semelhantes a corais, mas não são corais. São rochas antigas.”

O QUE DIZ O VAR: Não é verdade que as formações de recifes presentes na Foz do Amazonas são apenas rochas antigas. O ecossistema recifal é formado por rodolitos, bancos de algas carbonáticas existentes em outras regiões do Atlântico Sul, como Abrolhos, e fundamentais como habitat de peixes e outras criaturas. Essa estrutura, conhecida como Grande Recife Amazônico, é um ecossistema mesofótico extenso, localizado entre o Brasil — nas bacias sedimentares da Foz do Amazonas e Pará-Maranhão, com profundidades entre 70 e 220 metros — e o Caribe. A área desempenha um papel importante na reprodução e alimentação de espécies como o pargo, um dos produtos comercializados pelo Pará.

Um artigo publicado na revista Nature em 2019 aponta evidências de que o recife está vivo e em crescimento. Uma pesquisa publicada na Science em 2016 também concluiu que há seres vivos no recife. Pesquisadores ressaltam que são necessários estudos adicionais para entender o crescimento do recife, a diversidade de habitats e a biodiversidade. Apenas cerca de 5% do recife é conhecido.

Além disso, a sensibilidade da região não se limita ao recife. Em 2016, o governo federal publicou o documento “Atlas da Sensibilidade Ambiental ao Óleo da Bacia Marítima da Foz do Amazonas”, no qual destaca que a área possui “um cenário geoambiental peculiar que, aliado à alta sensibilidade dos ecossistemas costeiros e marinhos, gera grandes desafios para o gerenciamento de riscos de poluição por óleo”.

A biodiversidade da região foi mencionada também pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB). Em maio, em nota que anunciava uma expedição de pesquisa, o diretor de Geologia e Recursos Minerais, Valdir Silveira, afirmou: “A Margem Equatorial é uma área de extraordinária biodiversidade e complexidade geológica, cujos segredos ainda estão sendo gradualmente desvendados.”

JOGADA POLÊMICA: “Nós só damos esse adicional [ao aquecimento do planeta] do ser humano jogando CO2, que são as ações antropogênicas. Mas os grandes dois vetores que importam são: o Sol, que não é constante, a emissão solar varia; e a posição da Terra, que varia.”

O QUE DIZ O VAR: É falso afirmar que as ações humanas oferecem apenas um “adicional” ao aquecimento global e que os principais fatores são a variação da radiação solar e o posicionamento da Terra. Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), do 1,07oC de aquecimento global observado, quase todo foi provavelmente causado por atividades humanas; fatores naturais contribuíram com -0,1oC a 0,1oC, e a dinâmica interna do planeta, de -0,2oC a 0,2oC.

Segundo a Nasa, suas observações por satélite mostram que, nos últimos 40 anos, a radiação solar diminuiu ligeiramente. Se o aquecimento atual fosse causado apenas pelo Sol, haveria um aumento de temperatura tanto na troposfera, a camada atmosférica próxima à superfície, quanto na estratosfera, que está logo acima. No entanto, observações de balões e satélites mostram que apenas a superfície terrestre e a troposfera estão aquecendo.

Quanto às atuais posições orbitais da Terra, sem interferência humana, elas estariam promovendo um resfriamento gradual. Desde 1750, o aquecimento causado pelos gases de efeito estufa emitidos pela queima de combustíveis fósseis é mais de 50 vezes maior do que o leve aquecimento solar ocorrido no mesmo período. De acordo com a agência americana, embora o clima do planeta tenha mudado em diferentes períodos da história, o aquecimento atual está ocorrendo de uma maneira não observada nos últimos 10 mil anos. Segundo o IPCC, “desde que as avaliações científicas sistemáticas começaram na década de 1970, a influência da atividade humana no aquecimento do sistema climático evoluiu de uma teoria para um fato confirmado”.

JOGADA POLÊMICA: “No Brasil, por exemplo, o grande o grande agressor do CO2 e das emissões não vem do petróleo”

O QUE DIZ O VAR: É verdade que as emissões do setor energético não são as maiores responsáveis pela poluição climática no Brasil. Conforme dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), quase metade (48%) das emissões brasileiras são oriundas das mudanças no uso da terra, incluindo o desmatamento, enquanto outros 27% vêm da agropecuária.

A diretora executiva de Exploração e Produção da Petrobras, no entanto, aplica aqui o chamado paltering, técnica desinformativa que, de tão utilizada pelas empresas de petróleo em todo o mundo, foi estudada e definida por pesquisadores das universidades Harvard e da Pensilvânia. Literalmente uma “meia-verdade”, a técnica significa “a divulgação ativa de informação verdadeira, mas enganosa”, que pode ocorrer conjuntamente à “omissão de divulgação de informações relevantes”. 

Nesse caso, a informação relevante omitida é o fato de o Brasil ser o nono maior produtor de petróleo do mundo, com 3,4 milhões de barris por dia – uma produção, portanto, robusta, com impactos climáticos em todo o mundo. Como já destacado pelo Fakebook.eco, o Brasil, como exportador de petróleo, consome uma pequena parte do que extrai. O petróleo exportado não é contabilizado nas emissões brasileiras, mas contribui da mesma forma para o aquecimento do planeta.

As chamadas emissões  de “escopo 3”  – especificamente, a categoria 11, que considera o que é emitido pelo gás natural e derivados de petróleo produzidos nas unidades da empresa, além da produção de terceiros a partir do petróleo bruto da Petrobras – representam 85% do CO₂ emitido pela Petrobras, mas não entram nessa conta das emissões do país. 

Há, ainda, os planos declarados da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia de seguir expandindo a produção de petróleo e aumentar o número de barris por dia, como revela o Plano Estratégico divulgado pela empresa. O plano prevê investimentos no de US$ 78 bilhões entre 2023 e 2027, com destinação de 94,7% do total para a manutenção e expansão da produção de petróleo. 

JOGADA POLÊMICA: “[Net zero] Não necessariamente é a mudança de fontes energéticas, você tem que compensar o que você emite com isso. (…) Se conseguimos produzir e compensar isso de forma que o net seja zero [zero emissões líquidas], a gente vai atender às duas necessidades: a climática e a energética.”

O QUE DIZ O VAR: A afirmação desinforma ao sugerir que é possível atingir a meta global de zerar emissões líquidas de gases de efeito estufa (o chamado net zero, ou balanço zero de emissões) e enfrentar a crise do clima sem que haja uma mudança profunda no setor energético, que deixe a dependência dos combustíveis fósseis para trás. 

Desde 2021, a Agência Internacional de Energia afirma que, para estabilizar o aquecimento global em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, nenhum novo projeto de combustíveis fósseis deve ser autorizado. O último relatório do IPCC, o Painel do Clima da ONU, reforçou a necessidade de transição energética para atingir as emissões líquidas zero em 2050. E a COP28, a última Conferência do Clima, aprovou, baseada na melhor ciência disponível, uma histórica resolução que fala em “fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos”. 

Também não é verdade que a “necessidade energética” do Brasil imponha a continuidade e ampliação da dependência fóssil. De acordo com o recém-lançado relatório “Futuro da Energia: visão do Observatório do Clima para uma transição justa no Brasil“,  o país poderá chegar a 2050 emitindo 80% a menos do CO₂ do que atualmente sem a necessidade de expandir a produção de combustíveis fósseis e sem recorrer a soluções sem comprovação como captura e armazenamento de carbono. 

O relatório ainda indica que, se as tendências atuais para o setor de energia se mantiverem, o setor de energia brasileiro deverá chegar a 2050 emitindo 558 milhões de toneladas de CO₂ equivalentes, ultrapassando o pico alcançado em meados da década passada — muito longe da necessidade climática que Sylvia Anjos afirmou estar atendida pela política da Petrobras. 

O Fakebook.eco entrou em contato com a Petrobras e a Coppe, mas não recebeu resposta até a publicação das checagens. (PRISCILA PACHECO E LEILA SALIM)